Racismo, e não classe social, é principal fator de desigualdade para brasileiros

Levantamento feito em todo o país também mostrou discriminação sem discriminadores

O Brasil é racista. As pessoas pretas são as que mais sofrem racismo. A polícia trata de forma diferente negros e brancos. Essas três afirmações foram referendadas total ou parcialmente pela maioria (81%, 96% e 84%, respectivamente) dos 2.000 brasileiros acima de 16 anos entrevistados para a pesquisa “Percepções sobre o racismo no Brasil”, realizada em 127 municípios de todas as regiões do país.

As cifras parecem sepultar de forma concreta (e tomara que de uma vez por todas) o mito da democracia racial que tanto silenciou vozes e postergou um debate franco e informado sobre um problema central na constituição da sociedade brasileira.

Essa centralidade também aparece no estudo e é um dos seus mais importantes achados: para 44% dos consultados, raça, cor e etnia são o principal fator gerador de desigualdades no país, ante 29% que acreditam ser a classe social; 51% já presenciaram alguma situação de racismo.

No entanto, apesar de os números sinalizarem maior consciência nacional em relação a violências denunciadas há décadas por vários coletivos negros, a lógica do “racismo sem racistas” persiste, com contornos bem definidos. Apenas 11% dos entrevistados reconhecem total ou parcialmente praticar ações racistas; 12%, ter uma família racista; 10%, trabalhar em instituições racistas, e 13%, estudar em instituições racistas. O racismo existe e é um horror, mas não tenho nada a ver com isso.

Outros dados de destaque do levantamento, realizado pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) e encomendado pelo Instituto de Referência Negra Peregum e pelo Projeto Seta (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista), são que a violência verbal foi a manifestação de racismo mais identificada pelos entrevistados (66%), antes de tratamento desigual (42%) e violência física (39%).

Entre as vítimas preferenciais do racismo, pessoas pretas foram identificadas como alvos majoritários por 96% dos consultados; povos indígenas, por 57%, e imigrantes africanos, por 38%.

“A pesquisa avança, sobretudo, em apontar que não é a classe social o fator determinante para a desigualdade na sociedade, e, sim, raça. E essa é uma percepção geral da população, em todos os grupos”, disse à Folha Vanessa Nascimento, diretora do instituto Peregum.

Nascimento também pontua o “paradoxo” de um país que reconhece o racismo, mas não identifica seus perpetradores entre quem conforma seus círculos pessoais. “Dessa forma, entendemos a urgência em políticas para educação antirracista.”

O estudo permite leituras férteis, ainda, a partir de olhares interseccionais. Os grupos que mais percebem ter sofrido racismo, por exemplo, são homens pretos (40%), mulheres pretas (38%) e moradores das regiões Norte e Centro-Oeste (27%). Entre os consultados que relataram ter presenciado situações de racismo, mulheres pretas (57%), pessoas que possuem ou convivem com quem tem deficiência (57%) e homens pretos (56%) apresentaram as maiores porcentagens.

Apenas 6% dos entrevistados expressaram concordância total com a afirmação de que trabalham em uma instituição racista. No entanto, registraram respostas acima dessa média geral pessoas não heterossexuais (11%), moradores da região Nordeste (9%), mulheres pretas (8%) e pardas (7%) e pessoas que têm deficiência ou convivem com alguém que tem (7%).

A pesquisa (disponível em percepcoeseracismo.org.br) recolheu respostas também em relação ao sistema educativo e a políticas públicas. Nesse sentido, a escola ou a faculdade —teoricamente espaços de encontro, conhecimento e aprendizados vários— foi o cenário principal de episódios de racismo para 38% das pessoas que afirmaram já tê-lo sofrido. Mulheres pretas foram as que mais perceberam raça/cor como principal motivador de violência nas escolas (63%).

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