Ninguém precisa de uma polícia que mata

Justiça tarda em punir PMs por cerco a Paraisópolis

“Esses dias eu fui abordada na rua: ‘Ah, eu já te vi na TV, você não é a mãe de um dos meninos de Paraisópolis?’ / ‘Sim, sou eu.’ / ‘O que seu filho estava fazendo de errado?’ / ‘Meu filho estava fazendo nada de errado. Meu filho estava num baile funk, mas a culpa não é do funk. Meu filho morreu porque a polícia matou’.” Estas são as palavras de Maria Cristina Quirino Portugal, mãe de Denys Henrique, 16, morto em Paraisópolis, em São Paulo, em 1º de dezembro de 2019.

Neste dia, uma operação da Polícia Militar no “Baile da DZ7” matou nove jovens de 16 a 23 anos na favela. A Justiça levou 3,5 anos para começar a julgar se parte dos PMs envolvidos, hoje todos em liberdade, irão a júri popular. A operação deveria se chamar “Cerco a Paraisópolis”, título do episódio do podcast Justiça em Preto e Branco, produzido pelo Núcleo de Justiça Racial da FGV com Afro-Cebrap e Ampere.

Ou melhor: falemos em cercos, no plural. Primeiro, o cerco literal: cruelmente, PMs cercaram as saídas do baile funk. Um estudo da Unifesp mostra, com dados, que não se tratou de pisoteamento, mas sim de cerco policial com asfixia mecânica e que tampouco houve socorro. Ninguém vê a polícia matar em festas em bairros ricos. O cerco literal demarca quais são os territórios torturáveis.

Segundo, o cerco mais silencioso é o da impunidade: Corregedoria pouco independente, Judiciário moroso; a desconsideração do dolo, mesmo que eventual, reduzindo-o a uma culpa sem rosto; falta de responsabilidade de superiores e de preocupação com dano a vítimas. O sistema de justiça é desenhado, com precisão, como máquina de moer gente.

O que pensar de um Estado que, segundo familiares, coloca policiais no IML e não deixa as famílias verem, por completo, o corpo de seus filhos mortos? Polícias no Brasil mataram quase 18 pessoas por dia em 2022. Se São Paulo quiser continuar puxando a queda de letalidade policial no país, precisa escutar pessoas como Maria Cristina, para quem “ninguém precisa de uma polícia que mata”. Repito: ninguém.

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