É preciso sair da superfície

Enfrentar fatores institucionais que sustentam o racismo no ensino vai além de conceder bolsas e criar conta poupança

Há no Brasil um movimento pró-inclusão de bolsistas negros em universidades e escolas particulares de alto padrão. Na esfera pública, semana passada foi sancionada lei que cria uma poupança de incentivo à conclusão do ensino médio por estudantes de baixa renda.

Ótimo! São iniciativas muito importantes. Mas não dá para simplesmente aplaudir. Por mais nobre que seja, conceder bolsas de estudos e criar conta poupança não é o suficiente.

Acervo de livros escritos por pessoas negras e que tratam da pauta antirracista, em colégio de São Paulo – Divulgação

É preciso incluir, incentivar o respeito pela diversidade, ter professores negros, implementar um currículo com educação antirracista, investir na melhoria das condições de ensino (no caso das escolas públicas) e estar preparado para encarar os desafios impostos por realidades muito díspares.

Em instituições privadas, isso implica, por exemplo, não escamotear o racismo para evitar a perda de um aluno pagante ou o dissabor de se indispor com algum figurão por conta de um bolsista. Nesse sentido, é necessário um fluxo para receber, tratar e encaminhar denúncias e dar suporte para os estudantes.

No caso do Programa Pé de Meia, do governo federal, também vale atentar para o recorte racial dos estudantes que serão beneficiados, já que três em cada quatro brasileiros em situação de pobreza são negros, segundo o IBGE.

Também não dá para esquecer que a evasão escolar de alunos de baixa renda se deve mais à necessidade de contribuir com o sustento da casa e à falta de estímulo pedagógico para ir à escola (que muitas vezes não apresenta condições mínimas de infraestrutura) do que à vadiagem.

Coisa que requer investimento pesado e continuado na qualificação do ensino público. Os resultados do Enem 2023 estão aí para atestar. Além disso, inclui a compreensão de que “quem tem fome, tem pressa”, como disse o sociólogo Betinho.

A dificuldade da sociedade brasileira em aceitar os fatores institucionais e sistêmicos que sustentam o racismo não é segredo. Contudo, é preciso sair da superfície.

+ sobre o tema

Pandemia, segregação racial e as vidas que não importam

O tempo do racismo não é cronológico. O tempo...

Londres: líderes comunitários se unem

Moradores são convocados para reuniões que pretendem mostrar aos...

Pesquisa nos EUA mostra que gerente branco cobra juros maiores de minorias raciais

Nos Estados Unidos, um gerente branco oferece um empréstimo...

para lembrar

Divino Fogão e a saudade da escravidão

O racismo brasileiro é tão escrachado quanto não tem...

Tempo de festas , tempo de racismo

Ano novo. Na praia com dois amigos brancos, cantando...

Justiça recebe denúncia por racismo contra professora da UFPR

O juiz Mauro Bley Pereira Junior, da 3ª Vara...

Douglas (1996-2013) e o mundo estranho em que ele viveu e morreu

Como tantos brasileiros vítimas da violência do Estado,...
spot_imgspot_img

Número de crianças e adolescentes mortos pela polícia cresce 58% sob governo Tarcísio, apontam dados da SSP

O número de crianças e adolescentes mortos pela polícia aumentou 58% entre 2022 e 2023 — primeiro ano do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) —,...

A ‘inteligência artificial’ e o racismo

Usar o que se convencionou chamar de "inteligência artificial" (pois não é inteligente) para realizar tarefas diárias é cada vez mais comum. Existem ferramentas que, em...

Funcionária de academia será indenizada por racismo: “cabelo de defunto”

Uma funcionária de uma academia em Juiz de Fora (MG), na Zona da Mata, será indenizada em R$ 15 mil por sofrer racismo. De...
-+=