A maré de sizígia das vozes das brasileiras contra o patriarcado

Desde meados de outubro vivenciamos dias de protagonismo intenso das mulheres, semelhante à maré de sizígia – “de grande amplitude, que ocorre quando o Sol e a Lua estão em sizígia: alinhados em relação à Terra, e a atração gravitacional entre os dois astros se soma”, durante as luas nova e cheia.

Por Fatima de Oliveira Do O Tempo

Vários fatos detonaram a maré de sizígia das vozes das brasileiras contra o patriarcado e suas escoras, tipo o racismo. Nas redes sociais da web, a insatisfação se avolumou, e o ativismo de sofá chegou às ruas.

Não farei uma análise, apenas um registro para que cada pessoa avalie e forme a sua opinião. Sabe-se que “o conservadorismo político não está necessariamente associado a conservadorismo em matéria de costumes” (Albertina Costa); todavia, a conjuntura na qual eclodiram as vozes das mulheres é de pressão contínua do “jaguncismo político” pela manutenção do status quo do conservadorismo político e de inclusão do ideário do fundamentalismo religioso para todo mundo, como numa teocracia!

Tão logo as mulheres “botaram a boca no mundo”, futurólogos bradaram: “Parece que as mulheres, antes dos políticos, vão derrubar Eduardo Cunha”. É que presenciavam uma mobilização inesperada, que se avolumava nas redes sociais, contribuindo para levar milhares de mulheres às ruas em diversas capitais e cidades, sob a consigna “Pílula fica, Cunha sai”, contra o Projeto de Lei 5.069/2013, do parlamentar neopentecostal e presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que cria entraves ao aborto previsto em lei e à ministração da pílula do dia seguinte para vítimas de estupro, direitos regulamentados no país!

Pintou pedofilia. Ouçamos Juliana de Faria (jornalista, fundadora do Think Olga e da campanha Chega de Fiu-Fiu): “Uma menina de 12 anos se inscreve no programa de TV, pois ama cozinhar. Na internet, homens se sentem atraídos por sua aparência e, ignorando sua idade, resolvem tecer comentários de cunho sexual sobre a criança. O fato gera revolta… Foi aí que nasceu a campanha #primeiroassédio. Convidamos nossas leitoras a contar, pelas redes sociais, a história da primeira violência sexual que sofreram”.

E Simone de Beauvoir no Enem 2015, tema que abordei em “O poder de ‘O Segundo Sexo’, de Simone de Beauvoir, hoje” (O TEMPO, 3.11.2015)? Por pouco, os misóginos de cá não exigiram a exumação do corpo dela para queimá-lo numa fogueira!

E a maré de sizígia cresceu mais! A escritora Antonia Pellegrino e Manoela Miklos, doutora em relações internacionais, criaram o projeto #AgoraÉQueSãoElas, “em que mulheres ocupam o espaço de escritores e jornalistas homens durante uma semana”. Demos um banho de vozes escritas. Perdi a conta do tanto que li, e ainda não li tudo! Fiquei maravilhada. A luta feminista não é em vão!

No bojo de tudo, a denúncia da atriz Taís Araújo do racismo sofrido nas redes sociais desde 31.10, que acolhida pelas autoridades, colocou as medidas cabíveis em curso. Exigimos que justiça seja justa!

Ocorreu também no período o recrudescimento das ameaças de estupro e morte, iniciadas em 2012, à professora Lola Aronovich, do Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade Federal do Ceará, que mantém o blog feminista Escreva, Lola, Escreva desde 2008. Ela foi incansável em fazer boletins de ocorrência, e as autoridades têm feito ouvidos de mercador. Agora, as coisas podem mudar. Ela conseguiu explodir a “bolha” patriarcal que encarcera feminista que ousa ser livre-pensadora e tem recebido solidariedade expressiva de amplos setores da sociedade – reconhecimento de que o feminismo faz política!

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