O maior mérito do SUS é a extinção do indigente da saúde

Por Fátima Oliveira

Graças à santíssima ignorância por falta de memória, alguns riram quando Lula aconselhou Obama a fazer um Sistema Único de Saúde (SUS), que universaliza o acesso à saúde às expensas dos três níveis de governo, sob o lema: “Saúde é direito de todos e dever do Estado”, baseado no tripé: universalidade, integralidade e equidade.

Os nós operacionais no SUS devem ser debitados não ao princípio do acesso universal, mas aos gestores locais (Estados e municípios), responsáveis pela concretização do direito à saúde, que em sua maioria não valem o que o gato enterra, muito menos o chão em que pisam. São fatos: espera longa para consultas de especialidades, internações e cirurgias eletivas, e nem sempre há “vaga” no SUS para internações indicadas em urgência, o que explica os pronto-socorros entupidos, extrapolando os limites da segurança.

Há meios legais de obrigar o gestor local do SUS a cumprir a lei, diferentemente do que ocorre na dita maior democracia do mundo, os Estados Unidos, que negam acesso universal e nem se queixar ao bispo é permitido. Morrer à míngua pode. Lá é cruel. A atenção à saúde nem é um direito, pois é uma sociedade que tem o individualismo como lastro moral e cultural secular; e no inconsciente coletivo é natural que cuidar de si é dever de cada um até na doença, não cabendo ao Estado garantir direitos sociais via políticas públicas universais.

Há apenas dois programas públicos de saúde: o Medicaid, que atende “pobre, pobre, pobre de marré deci”, e o Medicare, para idosos e algumas deficiências. Nos EUA, há mais de 47 milhões de “sem-seguro” e 12 milhões não são aceitos pelas seguradoras por doenças pré-existentes, totalizando cerca de 60 milhões de indigentes da saúde!

Atenção à saúde como direito foi a mais cara bandeira do senador Ted Kennedy. Um modelo SUS, proposto em 1993 no governo Clinton, foi detonado pelas companhias de seguros de saúde, alegando ser “um modelo de saúde comunista que acabaria com a liberdade do povo”. A proposta original de Obama, um seguro público de saúde, foi estraçalhada pelas companhias e pelos republicanos, que acham a “opção pública” uma ingerência do governo no setor privado que não melhorará o cuidado, não reduzirá custos e nem o déficit fiscal. Em 13.10 e em 21.11 passados, Câmara e Senado aprovaram o debate sobre a “reforma da saúde”. Resultado da ópera? Acesso universal é heresia.

Quem, num lapso de insanidade, vai para os EUA sem seguro-saúde ou sem posses; e quem mora lá e não possui um, se adoece, pratica roleta russa. A maioria das empresas oferece seguros para os empregados, que pagam parte do custo. Quem não tem emprego, ou paga seguro ou custeia seu tratamento, que é caríssimo, pois os serviços de saúde são quase 100% privados, pesadamente tecnologizados e praticam uma medicina defensiva, que encarece custos de modo exorbitante.

Trocando em miúdos: o sistema de saúde dos EUA é, como dizia o meu avô, nos moldes do vale o que possui: “Quem tem um barraco, um cavalo, um jegue ou um cabrito, quando adoece vale um barraco, um cavalo, um jegue ou um cabrito!”. Na era pré-SUS no Brasil, quem não possuía barraco ou bicho pra vender e “se tratar” era tipificado indigente, foco da caridade das antigas santas casas, ou morria à míngua. O SUS acabou com a figura do indigente da saúde, mudando radicalmente 500 anos da história do Brasil, quando o doente valia o que possuía. Foi este paradigma cruel que o SUS mudou na vida do nosso povo e que Lula recomendou a Obama na maior moral.

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