Nota da AMNB sobre a Medida Provisória 557 de 26 de dezembro de 2011

A Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras – AMNB -, que tem como missão lutar contra o racismo, o sexismo, a opressão de classe, a lesbofobia e outras formas de discriminação, tendo em vista o conteúdo da MP 557 de 26.12.2011 manifesta o que segue:

– A morte materna é evitável na maior parte dos casos, mas tornou-se um grave problema da saúde pública no Brasil. Para nós, mulheres negras, a morte materna é vivenciada dramaticamente. Por termos em torno de nós toda uma comunidade a quem sustentamos econômica e afetivamente, a morte torna-se uma tragédia de amplo espectro. No Brasil, o risco das mulheres negras morrerem por causas relacionadas à gravidez, ao parto, ao pós-parto e ao abortamento é oito vezes maior do que o risco de mulheres brancas morrerem das mesmas causas. É fundamental destacar que por trás destes números está o racismo, que provoca descaso, negligência, falta de acesso a serviços e a informações para preservar nossa vida e nossa saúde.

– Nós, mulheres negras somos, portanto, as principais interessadas em medidas governamentais que visem superar o racismo e a violência institucionais que nos atingem. Por isso exigimos a implementação de ações, de programas, de projetos e de políticas que visem romper o ciclo de descaso e de ineficiência do Estado brasileiro no que concerne à promoção da nossa saúde e à prevenção da morte materna.

– Por tais razões, a AMNB se soma às organizações do movimento de mulheres do Brasil e do exterior, pela imediata revogação da MP 557. Esta medida, longe de oferecer ferramentas adequadas para que o SUS possa cumprir seu papel em preservar nossas vidas e saúde, e impedir a morte por causas evitáveis, contém uma série de equívocos e de armadilhas, a saber:

1) A edição da MP 557 sem consulta ou diálogo com as principais interessadas, as mulheres brasileiras, nós negras, em particular, e nossas organizações, atropela princípios de democracia e de participação conquistados e realizados por nossos movimentos sociais há muitas décadas. O mesmo equívoco foi cometido na edição do decreto da Rede Cegonha, o que demonstra grave déficit democrático e uma grande contradição do governo da primeira mulher a ocupar a presidência da república no Brasil;

2) O conteúdo da MP 557 desconsidera duas importantes conferências nacionais, de Saúde e de Política para as Mulheres, que dedicaram, em média, 6 dias de debates para a definição de diretrizes e ações visando a melhoria das condições de vida e saúde das mulheres brasileiras. Da mesma forma, a MP 557 desconsidera o papel do Conselho Nacional de Saúde como interlocutor privilegiado e como instância de deliberação sobre saúde no Brasil;

3) A MP 557 não garante a expansão da Rede de Saúde do SUS, com integralidade e eficiência;

4) A MP 557 não propõe medidas explícitas que permitam enfrentar e coibir a violência e o racismo institucionais conforme preconiza a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, inserida na Lei no 12.228/11, mesmo erro do decreto da Rede Cegonha. Negligencia o fato de que o racismo está por trás do péssimo atendimento e da falta de acesso e acolhimento a que somos submetidas;

5) A MP 557 expõe as questões de saúde das mulheres brasileiras às disputas e interesses das forças ultraconservadoras minoritárias na sociedade e no parlamento, fortalecendo estes segmentos num momento em que outras iniciativas próximas ao fascismo estão em curso (perseguição de morador@s de rua, a favelad@s e sem-teto; criminalização de movimentos sociais; patrimonialismo descarado etc);

– A AMNB constata que a edição da MP 557, junto com as demais medidas lançadas até agora, não tem elementos suficientes para alterar substantivamente as condições de vida e de saúde que nós mulheres negras brasileiras temos hoje. Tampouco produzirá os resultados necessários para evitar a morte de mulheres negras ou mesmo de punir seus responsáveis.

– A AMNB reconhece que passos importantes foram dados pelo governo, especialmente ao colocar na Presidência da República a responsabilidade pela pauta da saúde das mulheres brasileiras e pela prevenção do grave problema da mortalidade materna. Da mesma forma que, ao retirar o termo nascituro do texto da MP 557, demonstra retomar o caminho do diálogo com as mulheres brasileiras e com nossos movimentos sociais organizados.

– A Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras – AMNB – ao mesmo tempo em que se posiciona contrária à edição da MP 557, reafirma a sua disposição de contribuir com o debate e com a construção de instrumentos que sirvam para a promoção da saúde e para a preservação da vida das mulheres, em especial, das mulheres negras brasileiras.

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