Senzala em extinção?

No ano dos protestos, um episódio simbólico ficou esquecido. A aprovação da chamada “PEC das Domésticas” mexeu com uma herança direta do tempo das senzalas, e não foi vista em cartaz nenhum

 

No ano dos protestos contra as diversas formas de violência social que nos acometem, ficou quase esquecido um episódio simbólico. A aprovação da chamada “PEC das Domésticas” mexeu com uma herança direta do tempo das senzalas, e não foi vista em cartaz nenhum.

O próprio termo “empregada doméstica” carrega a contradição básica que atormenta as relações de classe no Brasil. Se éempregada, trata-se de um emprego, e como tal deveria implicar nos direitos garantidos da velha CLT, aprovada há 70 anos, ainda no governo Vargas. Mas não é um emprego qualquer. É doméstico. Palavra mágica para explicar muita coisa no Brasil. Sérgio Buarque de Hollanda e Gilberto Freyre elucidaram este traço constitutivo de nossa nacionalidade (o primeiro em tom mais crítico, o segundo descobrindo virtudes inéditas no modelo): a predominância do espaço da intimidade, das relações informais e familiares, sempre tornou inviável qualquer projeto de afirmação dos direitos coletivos, do interesse público, da impessoalidade, do bem comum. É ou não é a raiz da maioria das aflições que levaram o país às ruas em junho?

A empregada doméstica, moradora de um quartinho nos apartamentos de classe média-alta em todo o país, é a mucama preservada, propriedade particularíssima que transita um território patrimonial e afetivo: “como se fosse da família”, está sujeita aos humores e grata aos favores da sinhá.

Mais espantoso do que saber que esta categoria profissional não contava até agora com os mesmos direitos de qualquer trabalhador, foi ver a reação contrária de boa parte da sociedade à regulamentação de férias, décimo terceiro salário e aposentadoria dos empregados domésticos. A grita contra a PEC das Domésticas entra para a história, registrada nas redes sociais e seções de cartas de leitores, como um eco da resistência à abolição da escravidão. Separados por mais de um século, os argumentos foram simétricos: conceder direitos aos escravos (ou domésticas) será pior para eles, não se pode abandoná-los à própria sorte, isso causará desemprego em massa, o governo não tem o direito de regular relações que muito mais complexas do que determina a letra fria da lei, afinal eles têm casa e comida de graça, “são quase da família”.

Meses depois, não se viu desemprego em massa nem domésticas vagando ao léu. A profissão continua se valorizando, como acontece em qualquer país civilizado. Quem quiser uma pessoa para organizar toda a sua rotina, que pague o justo por isso.

Em 2013, ficamos um pouco menos escravagistas.

 

Para saber mais sobre as domésticas clique aqui

 

Fonte: Revista História

 

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