O STF retomou o julgamento da ADPF das Favelas, em que se discute a constitucionalidade da política de segurança pública do RJ. Desde 2019, a ação tem sido alvo de desinformação a fim de deslegitimá-la. Os dois principais gestores no RJ, o governador Cláudio Castro (PL) e o prefeito Eduardo Paes (PSD), são contra a ADPF das Favelas. Torna-se oportuno, portanto, colocar os pingos nos is nesse debate, desmistificando as inverdades quanto à ADPF das Favelas.
Mito 1: a ADPF das Favelas impediria operações policiais no Rio. Errado: durante a pandemia, uma liminar as restringiu a situações excepcionais; mesmo àquela época a proibição não era absoluta e hoje não existe. Mesmo assim, as polícias no RJ efetuaram 61 chacinas apenas em 2021 e as mortes em chacinas aumentaram em 50% na região metropolitana do Rio de 2020 a 2021. O que a ADPF exige, ao contrário, é que operações sejam mais eficientes: com garantias para evitar mortes sem sentido, com presença de ambulâncias e limitação a tiro por helicóptero.
Mito 2: a ADPF das Favelas facilitaria a expansão do crime organizado. Errado: a ADPF das Favelas, se bem implementada, promove o combate ao crime organizado, por um motivo simples, qual seja, uma polícia descontrolada como quer Cláudio Castro facilita o crime organizado, não o contrário. A ADPF combate o crime organizado ao fortalecer a atuação do Ministério Público, ao exigir o afastamento de policiais corruptos, ao privilegiar investigação séria. Dinâmicas de expansão do crime devem ser lidas no contexto nacional e precedem a ADPF.
Mito 3: o Supremo estaria extrapolando sua competência. Errado: o STF exige apenas o cumprimento da lei, como o respeito a regras de buscas domiciliares, proteção a locais de creches e hospitais, observância das regras de uso da força das próprias polícias.
Ou as autoridades no Rio defendem abertamente que moradores de comunidades são sujeitos sem direitos e torturáveis ao arrepio da lei, ou devem apoiar a ideia básica de que Constituição e segurança não são opostos e que a ADPF impõe apenas medidas civilizatórias básicas.
Thiago Amparo – Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação