Eis a imagem: um casal negro encostado a uma parede no chão frio em mercado da rede Carrefour em Salvador. Sob o efeito de tapas nos rostos, o casal é interrogado por homens não identificados e que parecem gravar as imagens para o próprio sadismo. A acusação: eles teriam supostamente furtado sacos de leite em pó para o sustento da filha —como se o furto famélico, insignificante, servisse de alguma justificativa para o ato bárbaro.
Estamos diante do crime de tortura —crime inafiançável de “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental com o fim de obter confissão”—, o que requer ação imediata.
O novo caso ocorre dois anos depois de o Carrefour precificar em R$ 115 milhões o assassinato de João Alberto Silveira Freitas em uma de suas unidades em Porto Alegre, dos quais a viúva recebeu menos de 1%, e estabelecer um comitê estrelado criticado, com razão, por movimentos negros.
Apenas gritar que o caso no Carrefour se trata de tortura (recorrente em supermercados, aliás), de nada servirá porque existe um exército —de poder econômico, jurídico, social e político— protegendo o ato desumano de qualquer sombra de responsabilização; sem desarmá-lo, nada ocorrerá.
Para começo de conversa, deve-se verificar se o Carrefour está cumprindo com o acordo: reportagem da Alma Preta afirma que a empresa continua com contratos milionários com segurança privada. No país, há um exército de 1,1 milhão de agentes privados, metade deles fora do controle da Polícia Federal.
Muitas dessas empresas são associadas a forças de segurança pública, o que requer rever sua regulação, fortalecer o controle e aprovar um marco legal para puni-las por eventuais violações de direitos humanos (a proposta atual, de 2022, está muito aquém do necessário). Sem enfrentar os interesses das empresas desses agentes, a carne mais barata do Carrefour continuará a ser a preta.