A inaceitável desvinculação do investimento em educação e saúde

Enviado por / FonteECOA, por Neca Setubal

O trecho da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) Emergencial (186/2019) que desvincula do orçamento a educação e a saúde, deixando municípios e estados desobrigados do investimento mínimo nessas duas áreas, causa enorme preocupação e requer alerta da sociedade porque está sendo proposto justamente em um momento muito agudo em que, ao contrário, é preciso fortalecer mais o SUS (Sistema Único de Saúde) e a educação do país.

Hoje, pela Constituição, o piso de gastos do governo federal nas duas áreas não pode ser reduzido e precisa ser corrigido pela inflação do ano anterior. Já os estados precisam investir 25% na da sua receita em educação e 12% na saúde, ao passo que os municípios devem destinar 25% em educação e 15% em saúde. Esses patamares foram construídos de forma democrática e técnica, com a participação da sociedade civil, e são essenciais porque têm assegurado continuamente o desenvolvimento das duas áreas, em um país continental, tão diverso, complexo e desigual como o Brasil, que até o início dos anos 1990 só garantia escola pública a uma minoria.

Desde 2007, quando o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) foi regulamentado, apesar de todas as dificuldades da área da educação, tem havido um avanço muito grande, tanto em relação ao aumento dos recursos alocados para a área, como no aprendizado dos estudantes. Este quadro pode ser altamente prejudicado pela PEC Emergencial, com impacto inclusive nos avanços recentes, como a Emenda Constitucional 108, de 2020, que fez com que o Fundeb ficasse mais justo e eficiente na distribuição dos recursos, beneficiando, por exemplo, mais municípios pobres.

É fato e consenso que a educação no país ainda precisa melhorar bastante, incluindo a gestão dos recursos disponíveis, mas se sabe que a situação dessa área já foi muito pior e que houve avanços nos últimos trinta anos, e especialmente nos últimos quinze, incluindo a criação do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), o qual mostra aos governantes e à sociedade as melhorias e os pontos que precisam ser aperfeiçoados. Tudo isso ocorreu por meio de investimentos contínuos e estruturantes, capazes de impulsionar as redes federal, estadual e municipal.

Recentemente, algo muito preocupante residiu na baixa execução do orçamento da educação pelo MEC em 2020, como mostrou o 6º. Relatório de Execução Orçamentária do MEC, realizado pelo movimento Todos Pela Educação, que também apontou no mesmo ano uma queda da implementação das políticas públicas para a Educação Básica em geral, como a implantação da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), o Novo Ensino Médio e a formação docente, demonstrando uma clara falta de coordenação e de liderança do MEC.

Ao mesmo tempo, têm sido dramáticas as perdas da educação e da saúde no país durante a pandemia do novo coronavírus, que já matou quase 250 mil brasileiros e que prejudicou cerca de 50 milhões de alunos da Educação Básica por quase um ano, acelerando as desigualdades educacionais já existentes. Como recursos serão retirados, num momento em que o Brasil confirmou a importância e a essencialidade do SUS no combate à covid-19 e que o aprendizado de crianças e jovens está em xeque, com alto risco de mais abandono e evasão escolar, comprometendo seu futuro?

É inaceitável também que essa possibilidade de desvinculação esteja em andamento exatamente quando o mundo inteiro, seja na Conferência de Davos, seja em diretrizes da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que coordena o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), reforça a importância cada vez maior da educação ao longo da vida, para qualificar mais a população, que enfrenta um mercado de trabalho cada dia mais exigente e competitivo, perpassado por mudanças velozes. Ou seja, se aprovar essa emenda na Constituição, o Brasil mostra que está caminhando na contramão do resto do planeta e se afastando ainda mais das nações mais desenvolvidas.

É de fundamental importância articular políticas públicas de educação, saúde e assistência social, como mostram vários bons exemplos internacionais e, por aqui, o Ceará e o Espírito Santo, entre outros. A pobreza, que acomete uma parcela importante da nossa população, precisa ser combatida com múltiplas ações, porque a educação, sozinha, não consegue resolver todas as desigualdades sobrepostas. Entretanto, como a educação é a política mais central, é através dela que pode se dar essa articulação tão necessária.

Portanto, a hora é de fortalecer a educação nas escolas, com o diálogo amplo com famílias e comunidades, e de melhorar a aprendizagem dos alunos para a formação de uma nova geração, mais bem preparada para as exigências deste milênio, assim como de proteger o SUS, pois estão em jogo o presente e o futuro de milhões de brasileiros.

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