A estudante indígena, que faz parte do povo Atikum, morava em Brasília desde que ingressou no ensino superior em 2019. No início da pandemia, em março passado, a jovem precisou deixar a capital federal e retornar para a sua aldeia no município de Carnaubeira da Penha, no sertão de Pernambuco.
Em agosto de 2020, quando as aulas remotas da UnB começaram, surgiram também as dificuldades, como a falta de um computador e uma conexão de internet precária. “Já fiquei dias sem conseguir assistir a uma aula”, diz Penha à BBC News Brasil. Os problemas de conexão, que costumam afetar até mesmo estudantes que moram nos centros urbanos, são ainda maiores para quem mora em áreas rurais ou terras indígenas.
Em meio às dificuldades, a universitária também convive com o temor da covid-19, que tem afetado duramente os povos indígenas do país. “Dois tios idosos faleceram por causa do coronavírus. Isso mexe muito com o nosso psicológico. Já passei alguns dias bem nervosa e preocupada”, conta ela, que chegou a considerar a possibilidade de trancar o curso.
Problemas como os enfrentados por Penha têm sido vivenciados por outros milhares de universitários indígenas no país. O estudo a distância improvisado em meio à pandemia encontra problemas como a falta de aparelhos eletrônicos, internet ruim, falta de apoio pedagógico e ausência de local adequado para os alunos estudarem.
Especialistas consideram que a inclusão de indígenas no ensino remoto tem sido extremamente precária. E a situação deve se estender por mais tempo, porque muitas instituições de ensino vivem um período de incerteza em relação ao retorno das aulas presenciais, em razão da piora do cenário da pandemia no Brasil nos últimos meses.
‘Um período estressante’
“Tem sido um período complicado e muito estressante”, desabafa Penha sobre o ensino remoto. Ela afirma que não abandonou as aulas durante a pandemia porque acredita que é fundamental ter um curso superior para ter uma profissão. “Tenho que continuar (estudando)”, diz.
A internet na aldeia dela funciona por meio de satélite. “É bem fraca”, diz a jovem. Em muitos momentos, não há conexão. “Já perdi muitas aulas por causa da internet. Cheguei a perder provas por causa disso”, comenta.
No início das aulas virtuais, ela não tinha computador. Por meio de um edital de inclusão digital da UnB no ano passado, destinado a alunos de baixa renda, ela conseguiu R$ 1,5 mil. “Tive que me virar com meus pais para complementar mais R$ 1 mil e comprar um notebook, porque esse valor (do edital) não era suficiente”, relata.
O aparelho logo se tornou um outro problema. Ela relata que cerca de 25 dias após a compra, o notebook começou a desligar várias vezes. “Ele começou a apagar de repente. Muitas vezes tive que assistir aulas pelo celular, que não é lá essas coisas, porque tem pouca memória”, relata.
Quando não consegue assistir a uma aula, por problemas no notebook ou na internet, ela manda mensagens aos professores logo que consegue se reconectar. “Eu avisei que estou na aldeia e expliquei as dificuldades com o notebook e com a internet”, relata. “Os professores entenderam a minha situação, me disseram para ficar tranquila”, diz Penha.
Ela relata que concluiu três disciplinas do seu segundo semestre no curso, entre agosto e dezembro de 2020. “Tive que trancar duas disciplinas. Não consegui terminar as cinco do semestre porque era muita coisa. As dificuldades com o computador e com a internet tornaram tudo mais complicado”, lamenta.
Na semana passada, Penha iniciou um novo semestre. Segundo ela, as dificuldades continuam. “Mandei o meu notebook para o conserto (durante as férias de janeiro), mas ainda tá complicado porque ele voltou muito lento”, diz.
Na mesma aldeia dela há outros universitários que enfrentam dificuldades semelhantes. Entre eles está o primo de Penha, Leonel Alcides, de 30 anos, que cursa ciências biológicas na UnB.
Ele também comprou um computador com o edital de R$ 1,5 mil da UnB — e, assim como a prima, relata que precisou de mais R$ 1 mil para adquirir o aparelho. “A situação está difícil. Nem mesinha tenho para acompanhar as aulas. Coloco as coisas na cadeira para conseguir estudar”, relata.
O estudante comenta que o número de disciplinas que cursou no primeiro semestre de ensino remoto representou menos da metade das que ele fazia quando o curso era presencial. “Foi muito puxado e fiquei muito perdido. Não consegui acompanhar tudo nesse primeiro período (online)”, diz ele, que está no quinto período do curso.
Em meio aos problemas de conexão, Leonel relata que também sente dificuldades para aprender os conteúdos. “Nas aulas remotas, ficamos sem saber o que aprender. Presencialmente a gente aprende mais”, relata. Ele afirma que sente falta do apoio dos professores em sala de aula e da companhia de outros indígenas que também são universitários, por meio de coletivos criados por eles.
Materiais entregues com a ajuda de barco
Pelo país, as instituições de ensino criaram diferentes alternativas para tentar incluir os estudantes indígenas na educação remota. Nem todos os casos se restringem ao estudo online.
Mesmo se definindo como pioneira no método de ensino a distância no país, a Faculdade Fael também precisou rever o acesso dos estudantes indígenas às disciplinas no atual período.
Na cidade de Jacareacanga, no Pará, por exemplo, muitos indígenas iam ao polo da Fael para acompanhar alguns conteúdos das aulas ou pegar materiais para estudar. Com a pandemia, porém, muitas aldeias passaram a impedir que os moradores deixassem o local para evitar o risco de contágio; Em razão disso, a Fael distribuiu kits com material universitário aos estudantes. Segundo a empresa, o objetivo é fazer com que os alunos não interrompam os estudos por causa da pandemia.
Uma das responsáveis por auxiliar os estudantes nas aldeias da região é Geizy Ribeiro, que trabalha na assistência acadêmica da faculdade. Em uma embarcação, ela leva os materiais necessários para os alunos, como livros, exercícios e avaliações. Muitos alunos indígenas da Fael têm estudado somente por meio das apostilas entregues pela faculdade.
“São poucos alunos da região que têm acesso à internet, nem todos têm computador. Os que têm apenas celular preferem fazer no computador, porque acham melhor, por isso vinham até o laboratório da faculdade. Muitos não conseguiram vir nos últimos meses, por causa da pandemia”, diz Geizy à BBC News Brasil.
De acordo com Geizy, na faculdade há cerca de 200 estudantes do povo munduruku, que tem uma população de aproximadamente 14 mil pessoas na região.
Os estudantes, segundo ela, pagam a mensalidade do curso com dinheiro do benefício do Bolsa Família ou do próprio salário, principalmente aqueles que são servidores públicos. Durante a pandemia, cerca de 20 alunos tiveram de trancar seus cursos por falta de condições financeiras.
Para aqueles que continuam estudando, Geizy se tornou o principal apoio na região. Ela, que conhece o idioma munduruku por ter sido professora em aldeias de Jacareacanga, é a responsável por orientar os alunos da faculdade. “Eu uso um rádio amador para me comunicar com os estudantes que estão nas aldeias”, conta.
Um dos alunos da Fael na região de Jacareacanga é o indígena Dionísio Crixi, de 54 anos, do povo munduruku. Antes do avanço do novo coronavírus, ele costumava ir com frequência à cidade para usar o laboratório da faculdade. Por meio de um barco, levava cerca de uma hora até chegar ao polo mais próximo da área em que mora. Porém, desde março passado tem evitado sair da aldeia.
Dionísio comenta que em julho passado perdeu o irmão, que teve covid-19. Muitos outros parentes seus também foram infectados pelo novo coronavírus. “Tem sido um período bem difícil. Até a entrada de assistência na aldeia foi proibida para não prejudicar ninguém. Estamos isolados”, relata ele, que trabalha na aldeia como professor da língua materna do povo munduruku.
Dionísio cursa pedagogia. Ele afirma que, apesar das dificuldades, não pensou em desistir da faculdade.
“Quero estudar mais porque não quero ficar para trás, quero avançar e ter mais conhecimento até onde der”, diz. Ele comenta que também quer aprender, cada vez mais, a ler e escrever em português para que possa ensinar os indígenas. “Primeiro, a gente estuda a nossa língua e depois faz a tradução para o português”, diz Dionísio, que deve se formar neste ano.
Desistências
Muitos universitários indígenas acabaram trancando o curso por causa das dificuldades do ensino remoto na pandemia.
Ertiel Amarilia, do povo Guarani Kaiowá, cursou somente um mês de história no início de 2020 na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). O jovem de 20 anos, que mora em uma aldeia no município de Amambaí, no interior do Mato Grosso do Sul, decidiu trancar o curso logo no começo do ensino remoto.
“Foi muito difícil fazer as atividades sozinho (no ensino remoto)”, diz. Os estudantes indígenas da UEMS recebem apostilas com os conteúdos das aulas para que possam estudar. As avaliações são feitas por meio dos exercícios nas apostilas. O método foi escolhido porque muitos universitários da região não possuem nenhum acesso à internet.
“O mais difícil era não poder tirar as dúvidas na hora, como nas aulas presenciais. Como eu era iniciante (no curso), não fazia a mínima ideia de como fazer as atividades sem ter um professor por perto”, comenta o jovem. Ele relata que ficou ainda mais desestimulado porque não tinha internet em casa e não conseguia fazer pesquisas para se aprofundar nos assuntos abordados.
Sem estudar, o jovem viajou no mês passado para o interior do Rio Grande do Sul para trabalhar na colheita de maçã para uma empresa. “Na região em que moro é difícil achar emprego. A situação piorou na pandemia e agora preciso trabalhar”, relata. Ele deve retornar para a sua aldeia em março. “A universidade era uma esperança para mim”, diz o jovem, que não sabe se irá retomar o curso em algum momento.
Desde o início da pandemia, Kâhu Pataxó, que coordena ações nacionais de estudantes indígenas, acompanhou diversos relatos de universitários que abandonaram seus cursos. “Não é uma situação nada fácil. Há muitos casos de indígenas que precisam se deslocar para outras comunidades para tentar acessar a internet para estudar. Outros precisam ir para a cidade em busca de sinal de telefone para ter acesso aos conteúdos”, diz Pataxó, que lidera o Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba).
“Há, por exemplo, casos de universitários que tinham que se deslocar por três dias da aldeia à cidade para conseguir internet. Por causa dessa dificuldade, não conseguiram continuar estudando”, comenta Pataxó.
Ele relata que acompanhou diversos casos de universitários indígenas que somente irão retornar ao curso superior quando a situação da pandemia melhorar e as aulas presenciais forem retomadas.
Em 2018, o Brasil tinha cerca de 57 mil indígenas matriculados na educação superior, segundo o Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). É o levantamento mais recente sobre o tema. Esse número corresponde a cerca de 0,7% do total de estudantes do ensino superior no Brasil.
Não há, ao menos por enquanto, dados sobre o impacto que o ensino remoto durante a pandemia causou na inclusão dos indígenas na educação superior.
A antropóloga Mônica Nogueira avalia que o atual momento é o período mais difícil desde o início dos anos 2000, quando começaram as políticas públicas de acesso dos indígenas ao ensino superior — por meio de ações como o vestibular indígena e as cotas.
“Testemunhei desistência entre indígenas nesse período de pandemia. Não que não queiram estudar ou não tenham se empenhado, mas é porque realmente estamos vivendo condições muito adversas”, lamenta Nogueira.
A antropóloga afirma que a atual situação se torna ainda mais preocupante porque as dificuldades dos indígenas no ensino superior já haviam aumentado nos anos anteriores à pandemia.
“Aumentaram as oportunidades de ingresso, mas as condições para permanência (nas universidades) se tornaram mais difíceis nos últimos anos”, diz Nogueira.
“Muitas universidades aderiram à modalidade de vestibular indígena e investiram em processos preparatórios para os indígenas se candidatarem aos cursos de graduação e pós-graduação. Mas as unidades de ensino têm perdido orçamento ano a ano. Então, mais indígenas ingressam nas universidades, mas os recursos para a permanência estão diminuindo”, acrescenta a antropóloga, que é coordenadora do Mestrado em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais (MESPT) da UnB.
Apoio aos estudantes
As dificuldades do ensino durante a pandemia evidenciam as falhas da inclusão dos universitários mais vulneráveis, como indígenas e quilombolas, aponta o professor Gersem José dos Santos, membro da coordenação do Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (FNEEI).
“Nós, indígenas, sabemos que a tecnologia não é um agente salvacionista, mas é muito importante. Os povos indígenas não são contra o uso das tecnologias, principalmente quando servem para atender direitos, como o acesso à Educação”, declara Santos, que é professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas.
“Ninguém é contra o ensino remoto. Ele pode ser uma saída, principalmente no atual período. Mas é preciso criar a base para isso. É preciso ter uma infraestrutura que passa pelo acesso a equipamentos de qualidade e inclusão digital”, acrescenta Santos.
Coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Afer Jurum afirma que o acesso dos indígenas à internet nunca foi uma preocupação do poder público. “Os governos anteriores lançaram planos nacionais de banda larga, mas não contemplaram os indígenas. Hoje, o reflexo disso está nos problemas que os estudantes indígenas têm para acessar a plataforma digital de ensino remoto”, declara.
“O desenvolvimento do ensino requer internet hoje em dia, mas isso se torna difícil com os problemas de conexão nas aldeias. Quando há internet nas aldeias, é de baixa qualidade. Sem dúvida isso está prejudicando o ensino remoto e causando um dano irreparável aos estudantes.”, afirma Jurum à BBC News Brasil.
O Ministério da Educação (MEC) afirma que contratou 400 mil chips de internet banda larga para estudantes em situação de vulnerabilidade, entre eles os indígenas. “Os chips oferecem internet 4G pré-paga, as universidades e institutos federais informam quantos chips precisam e distribuem aos estudantes”, informa a pasta, em nota à BBC News Brasil.
Mas a medida do MEC é criticada por ativistas das causas indígenas. Isso porque apontam que muitos universitários não conseguiram ter acesso a um chip, pois o procedimento para obter o item foi feito de modo virtual. Outra dificuldade relacionada a essa ação, segundo especialistas, é que muitas aldeias estão em áreas sem nenhum tipo de sinal de internet e os estudantes teriam de se deslocar para outros locais para conseguir conexão.
“O mais adequado seria o MEC colocar internet via satélite nas escolas indígenas, para atender duas demandas: as próprias escolas que necessitam da internet para dar uma melhor assistência aos alunos e os universitários indígenas”, opina Kâhu Pataxó.
O MEC não informou se fará novas ações para auxiliar os indígenas ou outras populações mais vulneráveis durante o período de ensino remoto.
A pasta afirma ainda que manteve, desde o início da pandemia, o repasse dos valores da Assistência Estudantil, recurso destinado a alunos mais vulneráveis de instituições públicas, como os indígenas. Por meio da verba, cada instituição de ensino avalia como executará os recursos, em ações como moradia estudantil, alimentação, transporte, inclusão digital ou cultural e apoio pedagógico.
A Assistência Estudantil é considerada fundamental para manter os estudantes indígenas nas universidades públicas. É por meio desses recursos que muitos conseguem pagar a internet e até comprar alimentos. Mas o recurso deve sofrer cortes neste ano.
De acordo com o Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace), a previsão, conforme o Projeto de Lei Orçamentária Anual, é de que o Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) sofra corte de 17,5% a 21% nas instituições federais de ensino superior — os cortes variam conforme a verba de cada lugar.
“A previsão para este ano é de que o Pnaes tenha um corte de recursos superior a R$ 200 milhões. Essa redução representa menos estudantes atendidos e menos bolsas estudantis”, diz a coordenadora nacional do Fonaprace, Maísa Miralva da Silva.
A BBC News Brasil questionou o MEC sobre os impactos que os cortes na verba repassada à Educação podem causar na Assistência Estudantil. A pasta não respondeu até a conclusão desta reportagem.
Problemas históricos e a pandemia
As dificuldades enfrentadas pelos universitários indígenas no atual período não se restringem às questões diretamente relacionadas ao ensino superior.
O cenário da pandemia, com uma vacinação lenta pelo país e o aumento de casos de covid-19 nos últimos meses, preocupa. A situação, dizem especialistas, atinge diversos universitários indígenas que tentam se dedicar ao ensino remoto enquanto convivem com o temor constante de que o novo coronavírus afete duramente seu povo.
Até sexta-feira (19/02) já haviam sido registrados 43,1 mil casos de coronavírus entre indígenas, sendo 571 mortes em todo o país, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde.
Mas conforme a Apib, também até sexta, foram registrados 48,9 mil casos de covid-19 entre indígenas no país e 969 morreram. A diferença entre os dados ocorre porque a Sesai não contabiliza casos de indígenas que não moram em aldeias ou que vivem em contexto urbano.
“Essas dificuldades do atual período vêm de todas as dimensões possíveis, não é apenas em relação ao acesso às aulas. Existe também o contexto psicológico, porque muitos indígenas enfrentam mortes por conta da covid-19”, aponta Gersem dos Santos.
Outro problema são as disputas territoriais. “A pandemia trouxe questões como a vulnerabilidade dos indígenas. A falta de demarcação de terras é um problema muito grande. Faltam políticas públicas sobre o nosso território. Os agentes que cometem invasões em terras indígenas não estão em home office”, declara Dinamam Afer, da Apib.
“Essas dificuldades territoriais também influenciam o estudante que teve de sair da sua universidade e voltar para a sua terra. Ele também faz parte da comunidade e precisa ajudar nesse enfrentamento, muitas vezes”, acrescenta o indígena.
Em razão dos diversos problemas trazidos no contexto da pandemia, especialistas apontam que seria fundamental haver apoio psicológico a esses estudantes. “Pouquíssimas instituições de ensino oferecem esse tipo de atendimento (psicológico) aos universitários indígenas. Alguns (que conseguem receber esse tipo de apoio), acabam recebendo esse atendimento por meio de projetos articulados pelos movimentos indígenas”, diz Gersem dos Santos.
A inclusão dos indígenas no ensino superior
As dificuldades atuais evidenciam também os problemas históricos de inclusão dos indígenas no ensino superior.
Eles costumam estudar grande parte do ensino fundamental na aldeia, onde tem como principal língua a que é falada pelo seu povo. Depois, por volta do ensino médio, costuma estudar na sede do município. E quando consegue uma vaga em uma universidade, em muitos casos precisa deixar a sua terra e viajar muitos quilômetros para que possa fazer uma graduação.
“O ensino recebido pelo indígena ao longo da vida varia muito. Eventualmente, eles trazem deficiência em relação à cultura acadêmica e a conteúdos específicos”, diz a antropóloga Mônica Nogueira.
Especialistas defendem que é fundamental que os indígenas recebam apoio pedagógico, assim como outras populações mais vulneráveis como os quilombolas. “É uma obrigação das universidades”, diz Kâhu Pataxó. Ele aponta, porém, que muitos indígenas não têm recebido nenhum tipo de apoio das universidades no atual período, o que também tem colaborado para que muitos abandonem o curso superior.
Segundo o Ministério da Educação, cabe a cada universidade analisar o desempenho dos indígenas e as medidas necessárias para auxiliá-los durante o ensino remoto.
Em meio à pandemia, os universitários indígenas convivem com a incerteza da conclusão do curso superior. Para muitos dos que continuaram estudando, o prazo para se formar deve ser ainda maior, porque tiveram de deixar algumas disciplinas para depois porque não conseguiram acompanhar toda a grade curricular.
“Perder alguns semestres significa estender um período de sacrifícios por parte deles e, frequentemente, de toda a família”, comenta Mônica Nogueira.
Maria da Penha, por exemplo, terá que ficar ao menos um semestre a mais para concluir o curso por não ter conseguido acompanhar todo o conteúdo do primeiro período de ensino remoto. Apesar disso, ela diz que continuará estudando e mantém o sonho de se tornar a primeira entre os oito irmãos — ela é a filha de número seis — a ter um diploma do ensino superior.
Para ela, concluir o curso de Serviço Social é também uma forma de ajudar o seu povo. “Na minha aldeia não tem assistente social e quando a gente precisa de um, é preciso chamar alguém de fora. Então, penso que se eu me formar, as coisas podem ficar mais fáceis nesse sentido por aqui”, diz Penha.