Movimentos culturais e negros se reúnem no próximo dia 15, às 16h, no Quintal Cultural, no bairro da Cambona, em Maceió, para discussão sobre os problemas de violência que atingem os negros em nosso Estado. A morte brutal do músico, dançarino e capoeirista Gutemberg Cassimiro Bandeira, o Guto, no Cruzeiro do Sul, no último dia 05, com seis tiros na cabeça, provocou reação na capital e no interior. Os grupos começaram a confeccionar uma carta que será destinada ao procurador –geral da República, Roberto Gurgel, pedindo intervenção em Alagoas.
Todos os grupos culturais de Maceió, principalmente os da periferia, segundo o artista multimídia Rogério Dias, estão se mobilizando. A pressão em repúdio a mais um assassinato cuja vitima é negra e pobre será grande, assegura.
“A morte dele, o Guto, é uma constatação do racismo inconstitucional em nosso Estado. Matam pobre e não dá cadeia e negro é que não dá mesmo. Estamos encurralados. O Plano Brasil Mais Seguro não funciona porque não há interesse e não é ninguém da classe deles que morre. O Estado está negligente e negligência é crime, o estado logo é genocida”, ressalta Rogério.
Em tom de revolta, o artista alagoano que trabalha há cinco anos com o projeto Quintal Cultura na região da Cambona, afirma que “o Estado não tem condições de cuidar do seu povo”. E continua a falar de Guto Bandeira com muita admiração. “Morreu uma liderança, um jovem que estava na periferia fazendo trabalho para crianças carentes. Vamos pedir intervenção porque não há condições de viver em nosso estado. Desde o genocídio ao caos nas maternidades, mortes de taxistas, motoristas de ônibus. Falta apuração e punição”.
O capoeirista Denivan Costa, que representa o Comitê Gestor do Projeto Juventude Viva, do Governo Federal e que ainda não foi implantado em Alagoas, também está envolvido com os demais membros dos movimentos culturais e negros e enxerga o processo em Alagoas como complicado, principalmente a forma como a juventude negra, segundo ele, é mostrada.
“Quando morre um negro, geralmente é mostrado como bandido. O movimento não se calará. Fazemos nossa parte na periferia, enquanto o governo não faz a dele. Precisamos de respostas não somente pela morte do Guto, mas porque era representante da comunidade negra, tinha um nome, um papel importante na comunidade e que foi retirado à bala”, desabafa Denivan.
Pelas estatísticas do Núcleo de Apoio ao Desenvolvimento da Capoeira (Nadec), o qual ele coordena, de 2008 para cá, somente dos quatro grupos que o compõem foram assassinados mais de 50 capoeiristas.
“Perdi muitos alunos e amigos e isso não pode continuar. O movimento negro vai cobrar incansavelmente posicionamento do governo”, conclui.
Costa informou ao Correio de Alagoas que Guto arrecadava, no momento, dinheiro para garantir o carnaval de rua para as crianças carentes da comunidade onde morava, no Cruzeiro do Sul. “Acabou-se um legado com a morte do Guto. Tudo ele herdou do pai, o seu João Dudu, uma das pessoas mais queridas da região e fundador do grupo Sururu é arte, também para crianças carentes. Provavelmente ele não resista à morte do filho que era um exemplo para ele. Queremos saber quem matou nosso amigo. Porque ele não era envolvido em nada ilícito. Sabemos que as pessoas que se tornam queridas fazendo trabalhos comunitários são visadas, causam inveja, mas a polícia está aí para cumprir com seu papel”, declara Denivan que faz questão de falar da sua origem.
“Sempre morei no bairro do Jacintinho, considerado um dos mais violentos e nunca me curvei à violência. Guto também não. Tive oportunidade, cursei a faculdade e uso o que aprendi para defender a minha comunidade”, enfoca. Ele ainda ignora a política do Governo de Alagoas. “Ela não funciona e quando ele traz o plano para cá comprova que é péssimo administrador”
Na carta a ser enviada pelos movimentos culturais e negros de Alagoas ao procurador-geral da República, vários itens já foram pontuados conforme mostra com exclusividade o Correio de Alagoas.
Estas seriam as razões pelas quais os movimentos pedem intervenção:
– descaso com parturientes na maternidade Santa Mônica,
– com os profissionais da saúde,
– com a juventude; a maioria das escolas em reforma e até hoje as aulas não voltaram à normalidade
– preconceito de classe, de orientação sexual, de cor, de credo, etc… Reputamos verdadeiro genocídio os índices de violência em Alagoas, todas as estatísticas mensagem subliminar que matar pobre não da em nada ecoa com força, principalmente se for pobre e negro.
– genocídio praticado contra moradores de rua
– impunidade em mais de 90% dos casos de homicídio
– envolvimento de grande parte dos políticos alagoanos em crimes de corrupção investigados pela polícia federal e que seguem impunes
-imunidades tributárias concedidas a usineiros o que arruína as finanças públicas
– Repetidas tentativas de cerceamento do exercício do direito de greve a médicos, professores e policiais civis.
– Violência e assassinatos contra representantes do movimentos sociais
– Assassinato de taxistas e motoristas de ônibus;
– O assassinato de Gutemberg Bandeira, militante do movimento cultural de Maceió, dançarino do coco de roda Pau de Arara, músico, saxofonista, criador do projeto Sururu é Arte, ação comunitária voltada para jovens e crianças pobres da periferia do Cruzeiro do Sul, no loteamento Chico Mendes onde residia.
Projeto Juventude Viva
O Plano Juventude Viva foi lançado no Centro de Convenções de Maceió, dia 27 de setembro do ano passado e consiste num conjunto de ações planejadas por vários ministérios do Governo Federal voltadas ao combate à violência contra a juventude negra. A previsão de investimentos é de R$ 88 milhões.
No dia 30 de outubro ele foi apresentado aos prefeitos eleitos de Arapiraca, Maceió e Marechal Deodoro . Estiveram no encontro assessores da Secretaria Nacional de Juventude e Secretaria Executiva, da Secretaria-Geral da Presidência da República; da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir); e dos Ministérios da Saúde, da Cultura, do Trabalho e Emprego e da Justiça.
À época, a assessora da Secretaria-Geral da Presidência, Fernanda Machiavelli, e a coordenadora de políticas setoriais da Secretaria Nacional de Juventude, Fernanda Papa, esclareceram as dúvidas sobre o Plano que tem como principal objetivo diminuir a vulnerabilidade da juventude negra , principalmente entre 15 e 29 anos, e evitar que terminem da forma de Gutemberg Bandeira.
No encontro, a secretária de Mulher, Cidadania e dos Direitos Humanos, Kátia Born, que é a coordenadora do Plano Juventude Viva, fez questão de se manifestar e dizer todos estavam empenhados “ em dar oportunidade para essa juventude”.
Fonte: Correio de Alagoas