A Mulher da Outra

Mariana em meio ao espanto observa os cenários estampidos, uma realidade doída. O tempo é grande e Mariana entende a vida da outra. Era hora de escrever sobre o violento cotidiano de uma desconhecida. Respira. Inspira. Porque em tempos de aglomeração e pouco espaço, sobram desafetos. O texto é o diário vivido por alguém. Uma mulher sem nome… Todos os dias da vida dela é um empurrão. Mas era o trivial. Senta, reza, acende uma vela. Pede a Deus mais paciência. E se puder inventa, conta umas mentiras, esconde debaixo do travesseiro o choro que ninguém vê. Lava a louça, esfrega com força as panelas, assustada quando ele grita. Se ele cisma que a esponja tem gordura, coitada, as marcas roxas se sobressaem. A situação estava complicada demais.

Por alguns instantes, ela imaginou um final. Uma garrafa de pimenta poderia ser uma arma. Ou quem sabe: Óleo quente das sobras de batatas fritas, tesourada nos testículos enquanto ele dormia, não. E as filhas? Sem pai, mãe na cadeia. Desistiu.

O dia sinaliza. Ás cinco horas, antes que o marido acordasse, a mulher foi ao armário herdado da mãe, pegou quatro comprimidos e dissolveu na xícara. Acordou as filhas, arrumou e escondeu as malas. Às seis horas o café foi servido para o “marido guerreiro”. A sonolência. Tudo bem feito. A mulher colocou as máscaras nas quatro filhas, atravessaram ruas, avenidas, pegaram o ônibus buscando um novo respirar. Ás vezes ela ouve o isolamento suave de uma liberdade.

A vida escorre pela história. Lá fora, ainda dá vontade de chorar. “E eu que não creio, peço a Deus por minha gente”.

 

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

+ sobre o tema

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...

para lembrar

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...
spot_imgspot_img

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro no pé. Ou melhor: é uma carga redobrada de combustível para fazer a máquina do racismo funcionar....

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a categoria racial coloured, mestiços que não eram nem brancos nem negros. Na prática, não tinham...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira (27) habeas corpus ao policial militar Fábio Anderson Pereira de Almeida, réu por assassinato de Guilherme Dias...