Ágatha Félix morreu atingida por tiro durante operação policial
Por Chico Alves, do UOL
Foi fácil prever: depois da comoção nacional, a morte da menina Ágatha Félix, de 8 anos, assassinada com tiro de fuzil no Complexo do Alemão, em 20 de setembro, cairia no esquecimento. Escrevi isso em um artigo para o UOL. Acabou acontecendo.
Não era preciso ter bola de cristal. No calor dos acontecimentos, o assassinato de uma criança ainda faz com que mesmo aqueles que aplaudem incondicionalmente as operações de guerra da polícia nas favelas cariocas derramem uma lágrima. Essa dor na consciência, porém, dura pouco.
Foi o que aconteceu antes com outras crianças, como Maria Eduarda Conceição, a Duda, de 13 anos, morta dentro da escola, em Acari; Jeremias Moraes da Silva, de 13 anos, baleado quando ia para a aula, na Favela Nova Holanda e Vanessa Vitória, de 10 anos, alvejada dentro de casa, na comunidade Camarista Méier. A lista é muito maior, como se sabe.
O ritual da comoção se repetiu com Ágatha. Logo depois dos lamentos emocionados, surgiram os comentários que relativizam a violência dos agentes da segurança pública. Não são poucos os apoiadores da “estratégia” do governador WIlson Witzel, que desde o início da gestão incentiva o “tiro na cabecinha” de quem seja identificado como criminoso.
Foi em meio a uma ação policial desastrada que Ágatha acabou alvejada. A menina estava dentro de uma Kombi, cuja lataria foi atravessada pelo projétil que a atingiu nas costas. Testemunhas apontaram PMs como autores dos disparos. Estes disseram que houve confronto com traficantes — versão depois desmentida.
Ainda em meio à desolação nacional pela morte da menina, o governador prometeu rigor nas investigações. A Policia Civil estabeleceu 30 dias para resolver o inquérito.
Ontem, 45 dias depois do assassinato da filha, a mãe de Ágatha, Vanessa, esteve na delegacia para cobrar resultados. Teve notícias diametralmente opostas às promessas que lhe foram feitas. Além de não ter qualquer resultado, o inquérito foi colocado sob sigilo. O cerceamento vale, inclusive, para a família da vitima, que não consegue ter acesso à apuração da Delegacia de Homicídios. Nem o laudo pericial que deverá identificar a origem dos disparos ficou pronto.
Por isso, ao deixar a delegacia, a mãe de Ágatha parecia ontem tão desamparada quanto no dia em que a filha foi assassinada.
Mais uma vez, a investigação de um caso em que os acusados são policiais se arrasta além do razoável. Para piorar, nessas ocasiões o governador Witzel sempre surge para minimizar qualquer ato de violência praticado por aqueles que deveriam ser agentes da lei, mas agem como se a lei fosse um empecilho ao trabalho da polícia.
Depois da morte de Ágatha, tudo seguiu como antes. Em diferentes confrontos entre PMs e traficantes, crianças continuaram morrendo nas favelas. Recentemente, Jenifer Cilene Gomes, de 11 anos, foi atingida numa troca de tiros, no bairro de Triagem; Kauan Peixoto, de 12 anos, foi baleado durante operação da PM na comunidade da Chatuba… Há muitos outros.
Nada mudou na disposição do governador fluminense em manter o clima de guerra nas comunidades. Também continua igual o ânimo daqueles que vociferam nas redes sociais a incentivar confrontos armados nessas áreas pobres. Isso torna ainda mais trágica a morte de Ágatha: o que deveria ser um marco para evitar perdas semelhantes, é tratado como apenas mais um caso comum. Triste estado, este Rio de Janeiro, onde a morte de uma criança de 8 anos por tiro de fuzil é tratada como se fosse ocorrência banal.