Na última terça-feira, fui convidada para uma exibição gratuita do documentário India’s Daughterorganizada pela Plan International do Brasil, com a presença de outras blogueiras, ativistas, jornalistas e pessoas ligadas a organizações não governamentais. India’s Daughter é um documentário muito pesado; não é fácil conhecer os piores detalhes de um estupro coletivo e ouvir estupradores e advogados de defesa o tempo inteiro afirmando a inferioridade feminina. O documentário foi muito bem dirigido e conseguiu impactar de forma profunda a audiência.
Por Jarid Arraes Do Portal Fórum
Algo similar aconteceu com a publicação do novo vídeo da Lady Gaga, que marca o lançamento de “Til It Happens To You” – música feita para o documentário “The Hunting Ground“, que fala de estupros em universidades. O vídeo foi classificado por muitas pessoas como forte, pesado e difícil de assistir. TantoIndia’s Daughter quanto Til It Happens To You cumprem um importante papel social: expor a realidade de milhares de mulheres em todos os países do mundo. Na Índia, nos Estados Unidos ou no Brasil, estupros coletivos, estupros de vulneráveis e outros tipos de violência sexual acontecem diariamente, mas ainda é muito difícil despertar empatia ou revolta em massa.
Em muitos casos de violência sexual que são noticiados, a causa da violência sexual não é nomeada e explicada para as pessoas. Na maioria das vezes, estupros são tratados como crimes individuais, atitudes desviantes de indivíduos isolados e que ainda são retratados como psicopatas ou pessoas de má índole.
India’s Daughter e Til It Happens To You vão na contra mão da regra porque contextualizam os estupros. Em ambos os casos, a violência sexual é apresentada como um problema coletivo que é experienciado pelas mulheres como um todo. No caso do vídeo da Lady Gaga, pode haver ainda a sugestão de que a violência sexual também seja um problema extremamente doloroso para homens trans – seria interessante se isso estivesse mais claro devido à tremenda importância do tema, mas a interpretação aberta sobre o personagem e o local onde se encontra no vídeo pode ter sido intencional.
As causas da violência sexual já foram nomeadas por diversas instituições e pesquisas; elas estão intimamente relacionadas com a cultura machista perpetuada pelo mundo. O machismo não é um caso isolado e não está restrito ao estuprador desconhecido que aborda a vítima em um beco escuro. Pelo contrário, segundo dados apresentados pela Plan Brasil na recente campanha “Quanto Custa a Violência Sexual Contra Meninas?“, a maior parte dos estupros são praticados por pessoas próximas as vítimas: seus pais, irmãos, amigos, vizinhos, colegas de trabalho e até seus parceiros. São homens tipicamente comuns, que ninguém catalogaria como psicopatas, que convivem em sociedade, têm amigos e família, trabalham, estudam e podem até possuir boas atitudes em outras esferas.
Isso acontece porque o corpo feminino ainda é relacionado a valores inferiores e muitas vezes é apresentado como uma propriedade masculina, como um objeto do qual os homens podem usufruir, mesmo que não haja consentimento. Por isso, é preciso que a mídia entenda a sua responsabilidade social e que as causas do estupro sejam evidenciadas. Há um padrão por trás da violência sexual e ele precisa se tornar conhecimento comum. Precisamos falar sobre consentimento e sobre machismo, ainda que o tema encontre muita resistência.
É importante que documentários, vídeos e pesquisas sejam feitas sempre com um pano de fundo que contextualize a realidade da violência sexual. Muito mais do que o choque que às vezes é causado às pessoas nos casos que ganham mais destaque na mídia, geralmente por serem extremamente bárbaros ou por vitimarem pessoas que conquistam mais empatia que outras, o cotidiano da violência sexual precisa se tornar centro de nossas discussões.
Assim como Leslee Udwin disse em diversas entrevistas e na pré-estreia do documentário no Brasil, os homens que cometeram aquele estupro coletivo na Índia são como os familiares e amigos das vítimas brasileiras: são os homens comuns, nossos filhos, irmãos e colegas de trabalho. Precisamos falar sobre isso para que consigamos avançar e combater a violência sexual de maneira efetiva.