No Brasil, o aborto é permitido em três situações: quando a gravidez é resultado de estupro, oferece risco à vida da mulher e, desde 2012, a partir de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em casos de anencefalia do feto – ou seja, quando há malformação de seu cérebro.
Falar sobre qualquer uma das hipóteses em que o aborto deve ser realizado legalmente significa que a mulher não deve ser impedida ou constrangida de realizá-lo e, tampouco, deve esperar uma decisão da Justiça para passar pelo procedimento.
Quando a gestante for criança ou adolescente, a interrupção estará condicionada à autorização de um dos pais ou responsável legal. Caso a jovem queira realizar o aborto sem o consentimento deles, a situação será analisada judicialmente.
Há outras garantias envolvidas antes e após a intervenção. Por exemplo, a paciente tem o direito de ser acompanhada por alguém de confiança e receber os cuidados médicos e apoio psicológico que precisar. E, caso necessário, deverá ser afastada de suas atividades por alguns dias.
Um obstáculo que a mulher pode se deparar é a objeção do médico em realizar o aborto, por motivos de ordem pessoal, tais como direito à liberdade de pensamento, crença e de consciência. Caso isso aconteça, se a mulher não for encaminhada a outro profissional para intervenção médica, acarretará negligência no atendimento do serviço de saúde. E o atendimento não deve ser recusado em casos emergenciais, quando há risco à vida da gestante. Se as garantias da criança ou mulher forem desrespeitadas, ela pode buscar assistência da Defensoria Pública que atende em seu município.
Advogada, Nathalie Fragoso afirma que a recusa é um problema e pode ser vista como recusa da própria instituição de saúde. “A objeção de consciência é um direito individual de profissionais de saúde, não é um direito da instituição, então não pode ser uma barreira ao funcionamento de serviços públicos e de acesso a direitos.”
Um caso recente deu amostra do tipo de violação que mulheres ainda estão sujeitas, especialmente por grupos contrários ao aborto mesmo quando a jovem ou mulher estejam aptas por lei.
Em agosto de 2020, uma menina de 10 anos do Espírito Santo foi vítima de assédio por manifestantes que se diziam pró-vida, que tentaram impedi-la de realizar o procedimento após engravidar ao ser estuprada pelo próprio tio. O endereço do hospital em que ela foi atendida foi divulgado e a menina teve mais uma vez seus direitos e dignidade violados, ao ter seu nome revelado.
É necessário lembrar que o aborto fora das condições aqui explicadas permanece como crime no Brasil, em que a mulher pode ser condenada à pena de 1 a 3 anos de prisão. E para o profissional de saúde responsável, o tempo de detenção pode ser ainda maior: 1 a 4 anos. No entanto, nem sempre são tomadas medidas privativas de liberdade. O índice de mulheres presas por aborto é mínimo quando comparado com outros tipos penais, como o tráfico de drogas. Ainda assim, a pecha da condenação é suficiente para causar traumas e desvios na vida da mulher.
Além das exceçõs previstas no Código Penal para o aborto legal, existem outras normas em contexto nacional e internacional e decisões judiciais que tratam dos direitos reprodutivos, já internalizados na legislação brasileira:
Convenção sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação Contra a Mulher: Primeiro encontro promovido pela Assembleia Geral das Nações Unidas para discutir os direitos humanos das mulheres, com recomendações aos Estados para erradicar qualquer tipo de discriminação de gênero, exclusão baseado no sexo ou impedimento de uma participação em condições de igualdade em relação aos homens. É neste documento, incluído pelo Brasil em sua legislação, que se fala em direitos reprodutivos e sexuais,o que abrange a capacidade individual de decidir se quer ou não ter filhos e a liberdade de viver sua sexualidade sem impedimento ou constrangimento.
Declaração e Plataforma de Ação de Beijing: Um dos objetivos da plataforma era garantir que a mulher fosse a responsável pelo seu desenvolvimento. E, para isso, seria necessário que o Estado fornecesse as condições adequadas. O documento destaca que muitos países ainda faltavam um olhar atento aos direitos sexuais e reprodutivos. E afirma o seguinte: “A capacitação das mulheres para controlar sua própria fertilidade constitui uma base fundamental para o gozo de outros direitos. A responsabilidade compartilhada pela mulher e pelo homem, no tocante às questões relativas ao comportamento sexual e reprodutivo, também é indispensável para o melhoramento da saúde da mulher.
Lei do minuto seguinte (Lei nº 12.845): Promulgada em agosto de 2013, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, a norma estabeleceu que qualquer menina ou mulher que sofresse abuso sexual deveria receber atendimento emergencial gratuito integral e multidisciplinar, sem a necessidade de apresentar um boletim de ocorrência. A assistência envolve amparo médico e psicológico à vítima e inclui profilaxias de gravidez e Doenças Sexualmente Transmissíveis – DST, assim como “fornecimento de informações às vítimas sobre os direitos legais e sobre todos os serviços sanitários disponíveis”.