Ações afirmativas compensam hegemonia branca nas instituições

É benfazeja a qualificada presença das mulheres negras dentre as medalhistas brasileiras

Temos muito a comemorar neste agosto de 2024. Pela primeira vez em edições olímpicas, mulheres foram maioria dentre os atletas na delegação brasileira: foram as que mais subiram ao pódio, atingindo 60% das medalhas, e trouxeram os três ouros que o país recebeu.

Com certeza esse posicionamento das atletas brasileiras nas Olimpíadas se coloca na esteira das lutas femininas ao longo da história pelo alcance da equidade nas oportunidades de participação e de tratamento pela sociedade.

No quadro de medalhas, o Brasil ficou na 20ª posição e teve o melhor desempenho dentre os países latino-americanos. Atletas do Brasil chegaram a 58 finais, arrebatando o país com participações vibrantes, qualificadas, ainda que tenhamos diminuído o número de medalhas de ouro, comparado ao que tivemos em edições anteriores das Olimpíadas.

A totalidade de medalhistas do Brasil é ou foi participante do Bolsa Atleta, programa do governo federal que nos indica que essa é uma política bem-sucedida que pode e deve ser ampliada e aprimorada

Rebeca Andrade com suas medalhas conquistadas nos Jogos de Paris-2024 – Thibaud Moritz/AFP

Rebeca Andrade, falando sobre o Bolsa Atleta, afirma a esta Folha: “A gente compra nossos materiais para treinamento, ajuda nossas famílias a trazer uma segurança para a gente, que muitas vezes é o que falta. Isso permite que a gente foque o nosso trabalho, sabe?”.

E, de outro lado, o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) fez um investimento focado em mulheres, iniciativa que guarda semelhança com o propósito das ações afirmativas. Nesse sentido, o comitê buscou investir não só nas atletas mas na ampliação da participação de treinadoras e gestoras, como explica ao informativo do COB Mariana Mello, subchefe da Missão Paris-2024 e gerente de Planejamento e Desempenho Esportivo do órgão.

A diversidade nos remete à diferença, à convivência com múltiplas culturas, religiões, modos de ser no mundo evidenciando a sua riqueza. Mas diversidade remete também à desigualdade, o que exige ações intencionais para assegurar tratamento diferenciado a grupos que ao longo da história não tiveram as mesmas oportunidades e tratamento pela sociedade. Assim, é benfazeja a qualificada presença das mulheres negras dentre as medalhistas, apontando um caminho importante que o Ministério dos Esportes deve seguir para assegurar a presença de indígenas, quilombolas, mulheres negras, grupos LGBTQI+, pessoas com deficiência e outros grupos minorizados ao longo da história, pois é assim que se constrói um Brasil para toda a população brasileira.

É o que precisa acontecer, por exemplo, num outro caso que ocorre neste momento em São Paulo, onde grupos negros, indígenas e outras organizações da sociedade civil apontam a ausência de uma política de diversidade no concurso da Prefeitura de São Paulo que selecionou projetos de arquitetura para a construção do Memorial dos Aflitos, no bairro da Liberdade. O processo foi iniciado em dezembro de 2018, quando escavações arqueológicas encontraram remanescentes humanos de pessoas marginalizadas pela sociedade colonial, isto é, pessoas indígenas e negras.

Uma consequência da falta de política de ação afirmativa é que a seleção retira a oportunidade de que arquitetas e arquitetos negros e indígenas participem de todas as etapas desse processo resultante de uma forte mobilização desses mesmos segmentos da população brasileira.

Além disso, essa permanência de uma hegemonia branca, como aconteceu nesse caso, tem consequências negativas no resultado final, com a seleção de um projeto que não atende os interesses da população diretamente envolvida no processo de marginalização.

Sem ações afirmativas, são mantidas as mesmas formas de seleção que levam sempre aos mesmos resultados, porque são iniciativas de organizações eminentemente brancas controlando e tomando decisões com a efetiva participação de grupos diversos, diretamente envolvidos na conquista desse memorial.


Cida Bento – Conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP

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