Ações no STF e no Congresso ameaçam titulação de quilombos

As comunidades quilombolas estão se mobilizando para tentar barrar duas ações – uma no Congresso e outra no Supremo Tribunal Federal (STF) – que ameaçam o processo de titulação de terras. Para o deputado federal Valdir Collato (PMDB-SC), autor do projeto que susta o decreto presidencial de 2003, o governo quer criar “um conflito racial no País”. Já a ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros, afirma que o governo trabalha para impedir o avanço das duas medidas contrárias às comunidades quilombolas.

O projeto de lei do deputado catarinense tenta sustar o decreto assinado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, que garantiu a regulamentação para identificação, reconhecimento e titulação das terras ocupadas por quilombolas. Já o Supremo deve julgar nos próximos meses uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), impetrada pelo DEM, que questiona o artigo 68 da Constituição, que garante a titulação das terras quilombolas.

Valdir-Collato

Para o advogado da Frente Nacional dos Territórios Quilombolas, Onir Araújo, as ações foram “um ataque conjunto”. Segundo o advogado, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) determina que as comunidades podem se autodefinirem como quilombolas, ponto questionado pelo projeto do deputado Valdir Collato. “É o supra-sumo do preconceito na sociedade brasileira e uma afronta aos direitos humanos”, critica o advogado.

Defensor da causa quilombola, o deputado federal Domingos Dutra (PT-MA) concorda. “São pessoas que não admitem que pobre tenha direito. Quando se trata de pobre, negro e quilombola, aumenta a ira”, afirma. Ele diz que o grupo de parlamentares contrário à titulação de terras de descendentes de quilombos se ampara em uma medida adotada na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). “O FHC retardou a aplicação do artigo 68 e criou um decreto definindo que quilombolas eram apenas as comunidades que viviam antes da abolição da escravatura em 1888. O sociólogo compreende que quilombo é negro fugido”, critica.

Deputado vê “indústria de ocupações”

O deputado federal Valdir Collato afirma que a intenção é levar seu projeto à votação assim que for analisado pela Comissão de Constituição e Justiça. “Queremos alterar parte do decreto 4887, o que altera também a Constituição Federal, que dá posse para estas famílias. Muitos não são quilombolas e estão se apropriando de terras que não são de ancestrais”, justifica.

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Collato diz que antropólogos “inventam teses” para justificar a titulação de terras em nome de comunidades que não seriam remanescentes de quilombos. “Estão criando uma indústria para ocupação de terras de pessoas no Brasil”, afirma. “Eles passarão a viver uma cultura tribal, com chefe e seguidores. Estamos criando um conflito racial no país. Para mim brasileiro é preto e branco, tratemos com igualdade”, completa.

Para o advogado Onir Araújo, as ações do deputado peemedebista e do DEM não passam de defesa dos interesses do agronegócio. “Junto a estas ações que tramitam em Brasília, há uma onda de violência contras os quilombolas. Lideranças são ameaçadas por jagunços e crianças estão desaparecendo”, informa.

Segundo ele, os conflitos derivam da falta de políticas públicas efetivas. “Até agora, só tem 150 comunidades tituladas, sendo que destas apenas 15 foram por meio do Incra”, aponta.

Constituição

Atualmente, são mais de cinco mil comunidades de remanescentes de quilombos espalhadas pelo território brasileiro. Pelo decreto de 2003, o Executivo pode desapropriar terras para fazer as titulações. O reconhecimento dos grupos é feito por autodenominação, ou seja, as próprias comunidades se definem como quilombolas. Os beneficiários recebem os terrenos coletivamente e não podem vendê-los ou dá-los em garantia.

Pela ação movida pelo DEM, só seriam comunidades quilombolas aquelas formadas antes da abolição da escravatura, em 1888, e que se mantiveram no mesmo local.

No entendimento do advogado Onir Araújo, o amparo legal do decreto é dado pelo artigo 68 da Constituição. Segundo ele, o artigo é autoaplicável e o decreto apenas define procedimentos.

Governo tenta barrar ações, diz ministra

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Ao Sul21, a ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros, afirma que o governo não tem dúvida da constitucionalidade do processo de titulação de terras no Brasil. Segundo a ministra, a Advocacia Geral da União defende a validade do decreto como a principal peça da regulamentação do artigo 68 da Constituição.

Segundo a ministra, a defesa será enviada ao Supremo para contribuir com o julgamento da ação. Em relação ao projeto tramitando na Câmara, a ministra qualifica como “um retrocesso”. “Estamos em um dialogo próximo com a Frente da Igualdade Racial e com os deputados da luta negra para preparar o debate e a defesa da não aprovação deste projeto”, garante.

O deputado Domingos Dutra reconhece o empenho da ministra, mas alega que está nas mãos da presidenta Dilma Rousseff solucionar o conflito entre ruralistas e quilombolas. “O governo Dilma tem a ampla coalizão. O deputado autor do projeto é do PMDB, da base governista. Então, se a Dilma não tomar a frente, não vamos ter êxito na Câmara”, prevê. Ele argumenta que é necessário que o tema dos quilombolas entre na pauta do núcleo da Presidência da República, sob pena de o projeto que suspende o decreto de Lula ser aprovado.

 

 

Fonte: Deputado Luiz  Alberto

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