Afinal, o que leva os Brancos adorarem Que horas ela volta?

Que Horas Ela Volta está sendo um dos filmes mais comentados do momento sem dúvidas, textos sobre ele já saíram em todos os veículos nacionais desde jornais até pequenos blogs, e o que mais me espanta nisso tudo é que essas críticas e conclusões em sua maioria foram escritas por pessoas brancas de uma classe social que se assemelha mais a dos patrões do filme, do que as empregadas protagonistas. Não séria no mínimo incoerente esse posicionamento, de se colocar num lugar distante daquela crítica?

Por Stephanie Ribeiro Do Imprensa Feminista

É, mas estamos falando de um país onde os privilegiados são totalmente sem limites.

Acho que no fundo tudo só se torna pior, quando eu após assistir “Que Horas Ela Volta” entendi o porquê desta euforia toda. O filme deixa evidente a questão de diferença de classe social, ou seja, ele pauta a luta de classes e pessoas brancas brasileiras principalmente as progressistas da elite que as vezes até estudaram na Europa adoram falar em nome da luta de classes, seja nas universidades como professores ou alunos, seja nos pubs da vila madalena, a luta de classes é importante e de alguma forma eles se sentem protagonistas dela. Mesmo não sendo.

O que me incomoda é enquanto mulher negra e estudante de arquitetura e urbanismo, eu tenho pleno conhecimento que, por exemplo, o quartinho da empregada é um resquício de uma sociedade escravista, as regras do empregado dentro do espaço domésticos que não precisa nem ser ditas são frutos de um país que viveu mais de 400 anos escravizando negros, que no pós abolição tinha mão de obra negra abundante então era possível para qualquer um e não necessariamente só para os ricos da época se ter empregados negros.

A senzala virou edícula, depois quartinho, elevador e agora banheiro exclusivo para empregados. Espaços esses que nunca foram destinados as européias que vinham para trabalhar como governantas, eram só para as negras que ainda hoje lotam os ônibus nos horários de pico quando estão saindo da casa dos patrões que são quase da família para os patrões, porém esses ainda se doem quando pensam que elas agora tem direitos trabalhistas e o mínimo é uma carteira assinada.

A falta de negros no filme fica evidente, a Regina Casé com seus traços indígenas não cumpre o papel que uma Zezé Motta cumpriria naquele espaço, ela não questiona a branquitude brasileira, que não só paga para ver o filme, ri em cenas lamentáveis como escreve sobre ele e não constata em nenhum momento que aquilo é sobre RACISMO também.

Desassociar a luta de classes ao racismo é mais uma conseqüência de como ele age no Brasil, o negro mesmo sendo a maioria nos empregos servis e nos dados sobre piores condições de habitação, educação e saúde, ainda é ignorado, pois vamos atribuir toda a culpa ao capitalismo e não falar nada sobre racismo.

Seja no DCE, seja nos coletivos, seja até em blogs feministas vamos debater esse filme sobre um olhar branco onde a classe é a questão mais importante. A idéia da interseccionalidade, pautada inclusive por intelectuais negros, ela é negligenciada. Já que para a branquitude brasileira esse é um bom filme, mesmo que ele se esqueça de não só por o dedo na ferida, mas cutucar ela até o fim.

Safalte em sua coluna na Folha de SP, por exemplo, define o filme assim: “Sempre foi próprio dos bons filmes mostrar não necessariamente o que existe, mas a latência da existência, aquilo que se tornou possível –mas que muitos, pelas razões de sempre, gostariam de continuar silenciosamente a não acreditar. Os bons filmes nos fazem ver não a atualidade, mas a possibilidade da atualidade.”

Mas negros não seriam existentes e uma realidade ainda mais no lugar servil? Então porque a irrealidade da ausência negra nesse cenário é não percebida pelos intelectuais brancos?

A ausência de negros é gritante no quesito silenciamento, os poucos que aparecem são os figurantes das cenas que se passam na periferia. Independentes dos argumentos que se use para justificar o porquê não têm negros, é nítido que as produções nacionais não estão preparadas para nos colocar em papéis de evidência. Afinal quando se trata do papel secundário da empregada da novela das nove, não tem problema nenhum ela ser negra, entretanto se a empregada vai ser o destaque da produção, ai não pode.

As poucas coisas que se tem protagonismo negro, não são as feitas com cunho questionador como essa, são séries pautadas em estereótipos que só reforçam o ideal da negra para transar, ou do negro bobão que ascende jogando futebol, fazendo música ou dançando.

No Brasil seria impossível uma atriz da mesma cor que Viola Davis ganhar reconhecimento no papel de uma advogada, como aconteceu recentemente, já que nossos atores negros ainda vivem as margens, só são maioria em novelas que falam de escravidão e mesmo assim continuam não tendo destaque, pois sempre existe o mocinho branco abolicionista e a mocinha boazinha que ajuda os negros.

São nesses papéis de “bons” brancos que a branquitude brasileira se prende, sendo assim “não é comigo, é com ele”, e por essas e outras continuam fazendo textões sobre um filme que poderia ser sobre a sua família que provavelmente explorou a empregada doméstica e ainda explora, pois é muito gratificante se posicionar pela luta de classes, e autocrítica em relação ao próprio privilégio ainda é algo distante.

Talvez o sucesso de tantas críticas sobre Que Horas Ela Volta, só mostre a mediocridade branca.

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