A África do Sul de 1960 e o Brasil de 2018: processo genocida em curso

A educadora Layla Maryzandra, do Inesc, escreve sobre a origem do Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial e o contexto atual

Por Layla Maryzandra Enviado para o Portal Geledés

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Manhã de 21 de março 1960, cidade de Sharpeville, a África do Sul.  Pelo menos 20 mil negros sul-africanos foram brutalmente atacados pela tropa do Exército durante uma manifestação pacífica contra a Lei do Passe, que limitava o trânsito de negros por determinados lugares, obrigando-os a andar com uma caderneta na qual estavam delimitados os locais por onde tinham permissão de circular.

O resultado de um dos maiores massacres do regime do Apartheid naquele país, junto ao que ocorreu no Levante de Soweto em 1976, foi 69 mortos e cerca de 180 feridos. O caso ficou conhecido como o Massacre de Sharpeville e, como tantos outros atos de violência que ocorreram no país, estava regulamentado por políticas de segregação racial vigentes no regime que durou 44 anos (1948 – 1994), e começou quando o Partido Nacional ascendeu ao poder, com um  governo composto, em sua maioria, por brancos.

O Massacre de Sharpeville fez com que a Organização das Nações Unidas (ONU), proclamasse o 21 de março como o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, em memória das vítimas e acentuando a condenação do racismo aonde quer que ele exista.

É notório que o Atlântico Negro, seja nas Américas ou no Continente Africano, foi calcado por massacres históricos que tinham como objetivo o extermínio da população colonizada/governada por uma minoria que mantém o poder.

Intelectuais e ativistas ligados ao movimento negro defendem que ainda está em curso um processo de genocídio negro no Brasil. Abdias Nascimento, em seu livro Genocídio do Negro Brasileiro (1976), relata a forma mascarada de como funciona o racismo neste país, que muito se assemelha a um apartheid maquiado. Na conclusão do texto ele cita: “hoje estamos na rua numa campanha de denúncia! Campanha contra a discriminação racial, contra a opressão policial (…). Estamos nas ruas para denunciar as péssimas condições de vida da Comunidade Negra (…)”.

Essa frase me traz à memória os mesmos gritos de denúncia ouvidos entre os dias 13 a 17 de março deste ano, nas marchas ocorridas no Fórum Social Mundial em Salvador, em destaque a Marcha das Mulheres Negras e a Marcha em memória da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Pedro Gomes, que foram executados no centro do Rio de Janeiro, em 15 de março.

Os dados do Mapa da Violência de 2015 e do Dossiê Mulher do mesmo ano, também engrossam o coro desse tipo de denúncia. Nas últimas décadas houve um crescimento da violência letal – tanto contra a juventude negra, que aumentou mais de 30%, como em relação às mulheres negras, chegando a cerca de 54%. Esses dados caracterizam os atos de violência como crimes de genocídio.

No atual contexto em que o país se encontra, o dia Internacional Contra a Discriminação Racial é marcado por manifestações que eclodem contra a falta de reparação histórica do Estado brasileiro, o contínuo genocídio que nos acomete, e contra a avalanche de retrocessos de direitos, seja nas pautas de gênero, raça ou classe. É possível observar o mesmo cenário em vários países.

Em suma, é perceptível que o racismo se instrumentaliza de forma bem engendrada e que a violência e intimidação policial é um braço forte que nos aniquila, seja nos massacres da África do Sul, nos Estados Unidos, no Brasil, ou em qualquer lugar aonde o racismo ainda atue de forma latente.

Sigamos então resistentes em nossas marchas, ressignificando nossas lutas, e parafraseando Abdias de Nascimento: se ele se reconhece como um sobrevivente da República de Palmares, também nos reconhecemos, na perspectiva da diáspora, como sobreviventes de Sharpeville.

** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

+ sobre o tema

Racismo deve ser comprovado em processo

Fonte: Conjur -   Toda acusação de racismo...

Itamaraty vai verificar se 113 candidatos a diplomatas são negros tal como disseram

Eles fizeram a autodeclaração durante a inscrição para o...

Observatório registra 254 casos de discriminação neste Carnaval

O Observatório da Discriminação Racial, da violência contra a...

Preconceito – Discriminação Racial e Racismo à Brasileira

Por Tiago Neto da Silva enviado para o Portal...

para lembrar

Pesquisa mostra que menos de 1% dos delitos é praticado por adolescentes

Estudo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça mostra que...

Acusado de racismo, Antônio Carlos é rejeitado por vascaínos

Técnico do São Caetano se envolveu em caso de...

Camila Pitanga, Angelica e outros artistas se manifestam sobre morte da menina Ágatha

Famosos se mostram indignadas com situação, transmitem sentimentos à...
spot_imgspot_img

Aumentam os processos por racismo no Brasil, mas Justiça ainda é lenta e falha em punir agressores

Em meio a um cenário de maior conscientização sobre o racismo no Brasil, o número de processos judiciais relacionados a esse crime disparou em...

Hospital demite enfermeira denunciada por injúria racial e agressão contra funcionárias de pet shop na Bahia

A enfermeira Camilla Ferraz Barros foi demitida neste domingo (05) do Hospital Mater Dei Salvador, após ser acusada de injúria racial, agressão e ameaça...

Estudantes sem água e sem banheiro 

O Brasil é uma das 10 maiores economias do mundo. Ao mesmo tempo, figura na lista dos 15 países mais desiguais do globo. Essa...
-+=