Apresentação
por Julia Sá Earp , do Revista Periferias
Foto: Gustavo Rubio-ISA
Não poderia Ailton Krenak vir a público em entrevista e momento mais pertinente, quando se faz necessário ouvir uma voz que inspira e perturba nossas percepções para que a lucidez e a consciência não se dissipem com o vento. Não é uma tarefa fácil introduzir a personalidade do Ailton Krenak. Enquanto lia pela primeira vez estas páginas, ouvia sua calma narrativa pendulando entre o renomado precursor dos movimentos sociais indígenas e o sincero e curioso senhor que compartilha de forma instigante as esquisitices e contrassensos do mundo dos brancos.
Sem esforço, sua fala nos faz olhar de ponta cabeça as noções já dadas como certas para nós. Ailton Krenak é um dos maiores conhecedores do emaranhado histórico da luta pelos direitos indígenas dentro e fora da política brasileira, sua participação junto a Álvaro Tukano, Marcos Terena e Raoni Metuktire na constituinte de 1988 iniciou uma nova fase de visibilidade aos povos originários no Brasil garantindo e legitimando o direito a demarcação de suas terras, uma virada recente na história do país e que atualmente sofre tantos assédios e tentativas de sabotagem pelo atual governo.
São tantos os episódios compartilhados na entrevista que para realizar esta introdução sem entregar o conteúdo das próximas páginas, que com certeza são melhores de serem acessados pelas palavras do Ailton, precisei tirar as sandálias e tocar os pés no chão para buscar a terra e escrever algo que fizesse sentido em dizer sem ser redundante ou repetitiva aos tantos textos que o apresentam brilhantemente. Com os pés sobre o taco do chão do apartamento sinto o calor da madeira; ex-árvores vindas de um território distante; neste momento apenas vibram com o intenso movimento diurno da padaria do térreo do edifício; abaixo dela metros de cimento da fundação do prédio, e só depois de tanto material e histórias sobrepostas suponho que enfim chegaria à terra.