Albinos: Irmãos sem direito a brincadeiras à luz do dia

Albinos, os irmãos Esthefany e Kauan, com a prima Tainá, torcem que chova para poderem brincar fora de casa.
Foto: Alexandre Severo/JC Imagem
Nasceram sem cor, numa família de pretos. Três irmãos que sobrevivem fugindo da luz, procurando alegria no escuro. O mais novo diz que é branco vira-lata. Os insultos do colégio viraram identidade. A mãe cochicha que são anjinhos. Eles têm raça sim. São filhos de mãe negra. O pai é moreno. Estiraram língua para as estatísticas e, por um defeito genético, nasceram albinos. Negros de pele branca. A chance dos três nascerem assim na mesma família era de uma em um milhão. Nasceram. Dos cinco irmãos, apenas a mais nova é filha de outro pai.

Essa é a história do contrário. Os dedos cruzados são sempre para chover. É o convite para o banho de mar na Praia Del Chifre, em Olinda. Rezam para espantar o domingo de sol. Só assim, com o céu pintado de preto, são crianças. Kauan, 5 anos, Ruth Caroline, 10, e Esthefany Caroline, 8, têm a liberdade controlada pelo fator do protetor solar. Não é só isso. São pobres e feridos. Não há dinheiro para parcelar a proteção. O PhotoDerm 100 é o maior sonho dos “galeguinhos” da V-9, favela de Olinda. Custa R$ 96 e só dura três semanas. O jeito é se esconder em casa mesmo. Televisão grudada no rosto. Vez por outra, Kauan, num estouro de criança, desafia o maior inimigo. Fecha os olhos e corre feito louco no meio da rua. Grita para o sol e escuta outro grito maior lá de dentro. É a mãe, Rosemere Fernandes de Andrade, 27, tentando evitar mais uma noite de ardor e ventilador ligado no máximo.

Sem protetor, ir para a escola, distante 200 metros de casa, é um martírio. A menina mais velha se veste de menino. “Tem que colocar camisão. Não ligo. Tenho orgulho de ser assim.” Os dias de vaidade são também os dias de ferida. O sol não quer saber da teimosia. Queima onde não tem pano. Moraram um tempo no meio da rua, na Avenida Presidente Kennedy. Era bem pior. “Hoje, as feridas diminuíram muito. Ainda aparecem. Tenho medo do câncer de pele porque não tenho dinheiro para o protetor. Há dois meses, eles não usam. Ficam em casa. É tudo para comida. Entreguei a mais nova ao pai porque não tinha como comprar leite. Passamos um tempo na rua e, de manhã, era sol na cara e feridas enormes”, conta Rosemere.

Há uma ferida pior, maior ainda, daquelas que não vira casca nunca. A mãe quer ser chamada de mãe. Não tem remédio que dê jeito. “Só me chamam de babá.” Lembra uma vez que foi passear no shopping com os meninos e o avô, também negro. “Os seguranças nos abordaram porque estávamos com os meninos b rancos. Fomos revistados. Não acreditavam que eu era mãe dos meus filhos.” Mas, na maternidade, nem ela mesmo acreditou. Teve certeza de que Ruth havia sido trocada. “Não havia como ela ser assim. A gente era escuro.” Depois veio João, da sua cor. Mesmo com as explicações médicas de que era possível, na cabeça de Rosemere, João era a confirmação de que havia algo errado com Ruth, a primeira. “Ele era da minha cor e Ruth daquele jeito.” Só com o nascimento de Esthefany e Kauan, albinos, o coração de mãe deu voto de confiança à natureza.

 

Rosemere conta que um bandido já tentou sequestrar um dos meninos. “Estava passando por uma casa de rico, muito bonita, com muro alto. O homem, na certa, pensou que eu era babá e estava passeando com a criança, a dona da casa. Tentou levá-la, mas me agarrei com ele e acabou fugindo.” Hoje, a preocupação é outra. “Ficaria feliz se pudesse cuidar bem deles, comprar os protetores. Tô usando pas ta d’água.” A conta é simples. Rosemere ganha R$ 122 de um programa social. O pai ajuda com R$ 200. “Tive que colocá-lo na Justiça para comprar os óculos dos três.” O albinismo afeta o desenvolvimento do olho ainda no processo embrionário. A visão é comprometida, mas os três óculos estão quebrados. As feridas aumentaram porque os olhos ficam fechados. As quedas são frequentes. João é o olho dos três. Para o colégio, seguem todos de mãos dadas. “Preste atenção, João. Você sabe que é o olho dele”, alerta a mãe.

 

Logo quando chegaram ao colégio, todas as outras crianças, grande maioria negra, tinham medo. Muito medo. A brincadeira principal do recreio era correr das louras. Um esconde-esconde diferente. Ninguém poderia tocá-las. Até que a professora Angélica Caldas teve uma ideia. Antes da aula, fazia uma grande roda. Todos tinham que dar as mãos. O medo foi sumindo, sumindo e sumiu. A professora conta que Kauan sempre fecha a janela da sala. “A mínima luz o incomoda.” Sem os óculos, o aprendizado é comprometido. Mas seguem. A prima deles, Tainá (foto nesta página), 2 anos, virou irmã. O pai e a mãe foram assassinados a tiros. O pai faz um mês, na frente dos meninos. “Ele comprava sempre que podia o protetor. Mas mataram. Eu vi. Quando tiver um filho, vou colocar o nome de tio Glebson”, diz Ruth. Ela quer ser policial, Kauan, bombeiro ou dentista, e Esthefany, modelo.

 

O professor do Departamento de Genética da Universidade Federal de Pernambuco Valdir Balbino rabisca um cálculo rápido. Os dois são heterozigotos, possuem pares de genes que apresentam um gene diferente do outro. O pai e a mãe têm um gene dominante e outro recessivo. Cada filho herda metade de carga genética do pai e a outra metade da mãe. “Com dois pais heterozigotos, a chance de cada filho ser albino é de 25%.” Há outra conta. A chance de os pais das crianças, entre os quatro primeiros fi lhos, terem produzidos três deles albinos era de 1,5%. O gene recessivo, que apresenta o defeito, ocasiona um problema na enzima tirosinase, responsável pela síntese de produção de melanina, pigmento responsável pela coloração e proteção de olhos, cabelos e pele. “Pelo caso apresentado, se os pais são negros, os meninos são tão negros quanto eles. Etnicamente e geneticamente. Só não produzem melanina.”

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