Alice Walker, autora de ‘A cor púrpura’, fala hoje na Flip: ‘A luta contra o racismo inclui guerreiros de todas as cores’

Ela tem lançado no brasil seu primeiro livro de não ficção, um ensaio sobre o feminismo negro

Uma das principais atrações da 19ª Festa Literária Internacional de Paraty, que termina amanhã, a americana Alice Walker sempre refletiu, em suas obras, sobre o que é necessário para as mulheres vencerem os sistemas de opressão. A escritora, que participa hoje, às 18h, da mesa “Em busca do jardim”, com Conceição Evaristo, é famosa no Brasil — e no mundo — por seu romance “A cor púrpura”, vencedor do Prêmio Pulitzer em 1983 e adaptado para o cinema por Steven Spielberg em 1985. Por outro lado, sua faceta como pensadora feminista é menos conhecida por aqui. Tanto que o seu livro de ensaios “Em busca dos jardins de nossas mães”, lançado originalmente nos anos 1980 nos EUA, só agora ganhou uma edição brasileira. Este é, aliás, o seu primeiro título de não ficção publicado no país.

Os ensaios de “Em busca dos jardins de nossas mães” orbitam em terno dos principais temas da autora, como o feminismo, a luta contra o racismo e o resgate da cultura negra de seu país — o que inclui uma ampla digressão sobre como uma escritora afro-americana busca referências e modelos em um cânone literário dominado por homens brancos. Nas conversas das mulheres negras mais velhas, Walker buscou o termo “mulherismo”, hoje reivindicado pelo feminismo negro para expressar as particularidades de suas lutas. A expressão perpassa os textos do livro, ainda que seja pouco mencionada. Walker, que participará da mesa de forma virtual, conversou com O GLOBO por e-mail.

O mulherismo expressa um feminismo mais inclusivo, com intersecção de opressão de raça, classe e gênero. O que significa ser mulherista na América hoje, sabendo, por exemplo, que mais mulheres brancas votaram em Trump em 2020 do que em 2016?

O mulherismo vem de uma cultura negra específica, que tem como um de seus fundamentos 400 anos de escravidão nos Estados Unidos. É constituído pela cultura sul-americana e pelas experiências africanas e afro-americanas, durante e após a escravidão, no sul. É uma oferta para as pessoas de cor na América do Norte que, esperançosamente, as ajudará a ver a si mesmas com mais clareza e com Sabedorias, Atitudes e Atributos distintos do que o que está contido no rótulo “feminista”.

Ao impedir a reeleição de Donald Trump, as mulheres negras salvaram a democracia americana?

Na realidade, ela está longe de ter sido “salva”. Ou até mesmo de existir. Com tantos desabrigados na América e tanta disparidade no sistema de saúde, por exemplo, onde está a democracia que foi salva? Nosso sistema de governo, como o seu, no Brasil, está mudando. O fato de tantas mulheres brancas terem votado em uma pessoa claramente sexista como Trump para presidente é lamentável e foi um erro de julgamento pelo qual os americanos continuarão a sofrer.

A quarta onda feminista, iniciada na década passada, trouxe uma maior interseccionalidade na luta pelos direitos das mulheres?

Acredito que sim. Esta é uma das maravilhas do ativismo: podemos realmente observar e participar do espaço ampliado que o próprio ativismo cria.

Diversos estados americanos introduziram uma legislação visando limitar a discussão sobre racismo nas escolas públicas. Após Obama e Trump, os EUA estão mais ou menos dispostos a discutir seu problema racial?

Muitos americanos se dedicam a ajudar nosso país a obter saúde racial. Isso sempre foi verdade. John Brown, um homem branco, junto com seus filhos, foi um dos primeiros americanos a pegar em armas para derrubar o sistema de escravidão. É uma luta profunda, magnífica, que dura centenas de anos e inclui guerreiros de todas as cores: preto, branco, vermelho e amarelo (incluo aqui os chineses que foram trabalhadores por muitas décadas nos estados ocidentais , especialmente).

Em um dos ensaios do livro, a senhora conclui que, devido a falta de modelos na literatura padrão, uma autora negra deve trabalhar em dobro. Isto é, ser modelo para si mesma e para as outras que lhe seguem. Que tipo de modelo você acredita ter se tornado?

Um modelo de honestidade.

A senhora já disse que o púrpuro de “A cor púrpura” é um símbolo das maravilhas que deixamos passar batido. É uma cor que está em todo lugar, mas que se torna rara porque não sabemos vê-la. O que é púrpuro no mundo de hoje? Que maravilhas estamos ignorando?

Muito provavelmente o por do sol.

A senhora mora no campo e já escreveu sobre as possibilidades meditativas da contemplação da natureza. A Flip tem as plantas, a floresta e os saberes indígenas como um de seus principais temas este ano. Pretende abordar o assunto em sua conversa com a escritora Conceição Evaristo?

Não tenho planos sobre o que vou conversar. Como a Natureza, prefiro me apresentar com frescor. Posso dizer, entretanto, que valorizo profundamente a sabedoria que recebi de professores indígenas na Amazônia e em outros lugares. Considero os medicamentos vegetais de enorme admiração e valor para a evolução humana e fiquei espantada, surpresa e maravilhada, a ponto de ficar sem palavras, com algumas das minhas próprias experiências com eles.

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