Em maio, o Grupo Globo anunciou uma série de mudanças, e uma delas é a nova âncora do “Jornal das Dez”, um dos mais antigos e tradicionais jornais da GloboNews. Aline Midlej é quem assume o posto, anteriormente de Heraldo Pereira. Nos últimos meses, ela foi uma das jornalistas que ficou no ar na televisão brasileira por mais tempo e se destacou na cobertura da pandemia no coronavírus. “É incrível o papel que as mulheres comunicadoras, jornalistas passaram a exercer nesse processo difícil que ainda estamos atravessando. Então, assumir o J10, nesse momento que ainda é duro para o país e desafiador para o jornalismo, é resultado desse comprometimento que eu tive”, conta ela à Marie Claire.
Mas as conquistas de Aline Midlej vão além. A jornalista é a primeira mulher negra a apresentar o programa e comemora o feito, sabendo da responsabilidade que carrega consigo. “Qualquer lugar que uma mulher negra entre, em termos de espaço de atuação e de relevância, ela abre caminho para outras mulheres. Então, onde quer que eu esteja, para onde quer que eu vá, mulheres abriram esse caminho para mim e eu continuo alargando essa estrada e criando ramificações”, diz.
À frente do J10, a jornalista continuará com o seu jeito único de apresentar e que, com o tempo, se tornou a sua marca registrada. Ao dar a notícia, Aline Midlej se permite sentir. “Eu venho trazendo isso na minha bagagem como jornalista durante a maioria desses anos como repórter e apresentadora, e isso vem da minha veia jornalística de base, de que o jornalismo foi uma escolha de vida e de carreira para que eu pudesse contar histórias que pudessem contribuir para um mundo mais diverso, justo e potente nas diferenças”, explica. A seguir, confira o nosso bate-papo completo com Aline Midlej.
MARIE CLAIRE Você vai comandar um dos jornais mais antigos do Globonews. Qual é a importância dessa conquista para você nesse momento?
ALINE MIDLEJ Ela se traduz em uma colheita importante, que vem como resultado da minha entrega durante a cobertura da pandemia. Eu comandei, nesse período, um dos jornais que fica mais tempo no ar, que é o jornal das 7, e isso me trouxe um aprendizado gigantesco. São quatro horas ao vivo, todos os dias. É incrível o papel que as mulheres comunicadoras, jornalistas passaram a exercer nesse processo difícil que ainda estamos atravessando. Então, assumir o J10, nesse momento que ainda é duro para o país e desafiador para o jornalismo, é resultado desse comprometimento que eu tive. Agora, eu estou pensando em como é que vou entregar a minha assinatura para o público que vai encerrar o dia comigo e não mais começar o dia, como antes. Essa é uma colheita cheia de responsabilidades, que vem com esse peso que o J10 tem, e não é por acaso. Ele é o jornal mais antigo e tradicional, onde precisamos entregar para o assinante o que tem de melhor e mais bem apurado de um dia de notícia. Estou grata e feliz.
MC Você é a primeira mulher negra no comando do J10. Sente que isso pode abrir mais caminho para outras mulheres negras e servir de inspiração?
AM Qualquer lugar que uma mulher negra entre, em termos de espaço de atuação e de relevância, ela abre caminho para outras mulheres. Então, onde quer que eu esteja, para onde quer que eu vá, mulheres abriram esse caminho para mim e eu continuo alargando esse caminho e criando ramificações. É um trabalho de mudança a longo prazo, e a ideia é que, cada vez mais, a gente tenha em cargos de relevância mulheres que representem toda a diversidade do Brasil e do mundo, de várias formas.
MC Ainda existe muito preconceito e racismo dentro do meio jornalístico?
AM O ambiente jornalístico, as redações, refletem os desafios que a sociedade ainda tem como um todo, assim como outras profissões. Então quando o assunto é discriminação racial, obviamente que o jornalismo ainda enfrenta esse desafio, mas acho que, como um espaço de comunicação e de debate, o jornalismo é uma antena também para o restante da sociedade. Então, por mais que a gente enfrente essa questão, sinto que estamos na frente, como jornalistas, porque aqui o debate se dá em outro nível, e a minha presença na GloboNews é um exemplo prático disso.
MC Como é ser jornalista nesses tempos de pandemia, que traz uma quantidade enorme de notícias tristes?
AM Nós vivemos duplamente essa pandemia. Eu costumo dizer que tem a pandemia das notícias e a da vida pessoal. Nós temos o medo da doença, o medo das perdas, além da nossa própria saúde, e temos que lidar com isso dentro do volume e da rapidez da informação que precisamos absorver para passar ao assinante e transformar isso em uma notícia que alcance muitas pessoas. Tem que ter um cuidado imenso com a saúde mental, porque o nosso trabalho tem um contato direto com a pandemia, já que somos serviço essencial e parte importante desse processo. Isso aumenta a demanda por autocuidado, então quando eu não estou no ar, estou me cuidado fisicamente, mentalmente, porque eu sei que eu tenho que estar bem não só para transmitir a informação, mas para trabalhar a resiliência e tolerância diante de tudo isso.
MC Junto da pandemia, estamos enfrentando a era das fake news, que são espalhadas na internet, principalmente. Como você analisa esse cenário?
AM As fakes news têm diferentes dimensões, podem ser catastróficas e sempre serão ruins para o princípio básico do jornalismo, que é a apuração bem feita e com credibilidade, mas acho que nesse momento, em que essas notícias falsas impactam diretamente a vida das pessoas e a forma que elas lidam com um vírus letal, o jornalismo profissional se fortaleceu. Aprendemos muita coisa importante como jornalistas diante dessa avalanche de fake news que nos desafiam diariamente. Acho que essas notícias falsas são uma realidade que não vem da pandemia em si, mas que ganhou um risco ainda maior com a crise sanitária que a gente enfrenta e fica o aprendizado, a lição, e a união do jornalismo para combater isso. É um belo legado que a pandemia deixou pra gente sobre a força que o profissionalismo tem.