Amarildo, jamais te esqueceremos! A Criminalização da pobreza

A polícia protege o patrimônio do grande capital no mesmo jogo de extermínio e desumanização de pessoas como Amarildo nas periferias brasileiras

Rafael Bruno,

No ato tinha um efetivo da PM e do choque (sem identificação) maior do que manifestantes na Paulista ontem (2). Bancos protegidos por cercos policiais durante todo o percurso. O banco Safra parecia ter seu próprio efetivo de guarda dado à quantidade de seguranças (não precisou de cerco policial).

Muito ilustrativo, no ato em que todos ali cobravam o paradeiro de Amarildo e o impedimento do governador Geraldo Alckmin, responsável pelo massacre em Pinheirinho e acusado do desvio de 440 milhões de reais nas obras do metrô e da CPTM (caso silenciado pelos meios de comunicação).

A desproporção da atenção dada aos 11 mortos na favela da Maré em relação aos danos ao patrimônio na manifestação no bairro do Leblon é repetida em São Paulo. O dano ao patrimônio sendo muito mais condenado e esbravejado, com a ampla atenção da mídia. Ira muito intensa que se contrapõe ao silêncio na perda de vidas na periferia pela ação da polícia.

O que teria acontecido se 11 pessoas tivessem sido mortas pelo Bope no bairro do Leblon? A polícia pode alegar suspeita de evasão fiscal, colarinho branco, desacato, resistência à prisão, ter sido chamada de feia por algum vizinho do Cabral na rua Aristides Espínola. Poderia ser seguida a lógica do governador Geraldo Alckmin na qual “quem não resiste à prisão sobrevive” e, mesmo assim, resultar em 11 moradores mortos. Se algo parecido acontecesse, mesmo em um bairro de classe média, a Polícia Militar já teria deixado de existir. Contudo, a Policia é deslocada para esses bairros no objetivo de garantir a preservação da propriedade privada. Ontem (2), a proteção aos bancos privados foi muito maior em relação aos bens públicos. O próprio Banco Central não foi cercado pelo contingente de policiais.

A mesma polícia que some e mata na periferia, é deslocada para proteger o patrimônio privado dos bancos na Paulista.

A ação na periferia e a proteção à propriedade privada são lados de uma mesma moeda. A polícia protege o patrimônio do grande capital no mesmo jogo de extermínio e desumanização de pessoas como Amarildo nas periferias brasileiras.

O processo de criminalização da pobreza é feroz. A população carcerária dobrou entre o ano 2000 e 2010 no Brasil, sendo que a população cresceu 11% no mesmo período. O número de presos triplicou desde 1995. Alguém é capaz de acreditar que esses números são explicados somente pelo aumento da violência? É preciso ser muito ingênuo ou mal intencionado.

A fracassada política de repressão às drogas pode ajudar a explicar esses números. O Brasil segue na contramão do mundo com propostas de intensificação da repressão e, assim, gerar ainda mais barbárie. Vamos precisar de mais cadeias.

A manutenção da Policia Militar funciona muito bem nesse contexto de criminalização da pobreza. O acúmulo e a propriedade privada são salva da tensão social via o terror diário da PM na periferia.

A nossa sociedade herdada de relações de escravidão se mantêm de forma sutil e por mecanismos mais eficazes. A miopia dos mais privilegiadas em enxergar os mais pobres, vê-los como seres iguais dotados de direitos e humanidade. Esse é resultado mais cruel desses mecanismos.

Há uma espécie de psicopatia social generalizada no seio da nossa elite e aprofundada pela nossa classe média. O psicopata mata por não reconhecer no outro um ser igual dotado de humanidade. Esvaziar o outro da sua própria humanidade e o convencer disso são uma das maneiras mais eficazes de dominação. Os mais afetados por tal violência simbólica, muitas vezes, respondem com a violência brutal e vista como “gratuita” pelo restante da sociedade. Esta sociedade que não se vê responsável pela barbárie.

A tensão é bem sentida em cidades como o Rio de Janeiro e Salvador, onde o processo de expulsão dos mais pobres para as periferias foi menos bem sucedido do que em cidades como São Paulo, Curitiba e Brasília. No primeiro caso, a tensão social é mais explicita e violenta, porém com meios simbólicos mais sutis e eficazes de subjugar os mais pobres e convencê-los da sua “desumanidade”. No segundo caso, a segregação espacial resolveu parte do problema para as elites locais e provoca o pavor do contato social com o outro, que não é dotado de “igual humanidade”.

O exemplo mais assustador desse processo foi o nazismo. De forma planejada judeus, ciganos, gays e religiosos foram esvaziados de sua humanidade e, em seguida, vitimas do processo de extermínio em escala industrial nos campos de concentração. Dominação e extermínio articulados pelos nazistas, na sociedade considerada a mais avançada da sua época. O mais aterrorizante é a resposta esquizofrenia do Estado de Israel, o povo mais afetado por esse processo de aniquilamento em massa, reproduz o massacre com o povo palestino. O que pode explicar o exército de Israel derrubar casas com pessoas dentro delas?

A banalidade do mal e a falta de reconhecimento do outro como ser humano. Hanna Arendt evidenciou essa banalidade no julgamento do criminoso nazista Eichmann. Ela mostra que Eichmann é um burocrata, medíocre, cheio de clichês e incapaz de pensar acima do seu dever. O mal é mais assustador quanto maior é a sua banalidade. Alguém se lembrou dos nossos Almeidinhas da classe média? Ou mesmo a policia militar que obedece cegamente às ordens dos superiores sem questioná-las?

O morador do bairro dos Jardins em São Paulo é capaz de passar uma vida inteira sem ver alguém oriundo do Capão Redondo. É bem possível, alguma socialite paulistana ter mais interação social com sua cacatua do Congo do que com sua empregada mais próxima. Além disso, umas das maneiras mais sutis e perversas em esvaziar o outro como um ser humano dotado de direitos foi visto no episódio da gritaria contra a PEC das domésticas. Algo que não deveria ser contestado por definição. A violência simbólica atinge formas variadas e não é reconhecida como uma violência.

É assustador casos em que pessoas aparentemente banais matam o índio Galdino ao confundi-lo com um mendigo em Brasília (o mendigo vale ainda menos na sua hierarquia de valores) ou o caso da empregada doméstica agredida por ter sido confundida com uma prostituta no Rio.

Muito se fala que o maior problema do Brasil é a educação. Porém, nenhum país sai de mais de 300 anos de escravidão impune. Hanna Arendt diz:

“Para ser justo é preciso mais. É preciso ser radical – ir às raízes, do que o pensamento pode fazer. É preciso refletir, andar por aí com os sapatos dos outros, pensar que, estando em um conflito que põe seus interesses em jogo, você deve tomar a decisão que seria a mesma se estivesse no outro polo do conflito.”

O governador Sérgio Cabral disse para os manifestantes acampados na frente da sua cobertura:

“Quero fazer um apelo, porque, sabe, na porta de casa, eu tenho filhos pequenos. O Sérgio Cabral político é uma coisa. Ali, é o meu filho de 6 anos, meu filho de 11 anos. É um apelo de pai mesmo(…) Estou aberto ao diálogo, às manifestações. Agora, na porta lá de casa, eu faço um apelo do coração, como pai”.

Amarildo tem filhos pequenos. Filhos que não sabem o paradeiro do pai.

 

Onde está Amarildo? por Eliane Brum

Quem sumiu com Amarildo fomos nós

Em qualquer cenário, Estado tem responsabilidade

 

Fonte: Brasil de Fato

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