Antirracismo, uma luta de negros e brancos

Março não é apenas o mês em que, no dia 8, celebramos a luta das mulheres por seus direitos, mas é, também, o mês em que, no dia 21, reafirmamos a luta pela eliminação da discriminação racial em todo o mundo. Nesse dia, lembramos do massacre ao protesto negro contra o brutal regime do apartheid da África do Sul, ocorrido em 1960. Contudo, o nosso foco é o dia da luta contra a discriminação racial, pois o racismo que o define, mesmo sendo negado oficialmente, é praticado diariamente em nosso país desde que o primeiro preto escravizado botou os pés aqui.

Na realidade, em nossa história, a escravidão apenas mudou do chicote para a caneta e, desta, para a exclusão social. Tanto a Abolição quanto a Proclamação da República em nada mudaram o domínio do latifúndio e a extrema concentração de renda do capitalismo brasileiro. Sem reforma agrária, sem emprego, sem moradia e sem acesso à educação, as elites dominantes impuseram a exclusão social às populações negras.

Desse modo, não se trata apenas do preconceito racial de alguns indivíduos, mas de racismo estrutural, que nasce da ordem econômica e social do país e se espalha pelas instituições, pelas famílias e pela sociedade em geral.

Mais do que dizer que existe racismo no Brasil, precisamos afirmar que o nosso país foi formado a partir do racismo, pois da Colônia à República fomos construídos econômica e culturalmente pelo trabalho de negros. Não é preciso ter conhecimento histórico profundo para se reconhecer isso.

Sem querer admitir a discriminação racial, as elites brancas falsificam o conceito de meritocracia para tentar encobrir seus privilégios. Mas meritocracia só é possível quando há igualdade de oportunidades para todos e num regime de exclusão social isso não é possível.

O preço para o Brasil ser “branco” é a manutenção da brutal exclusão social e violência institucional contra a maioria negra da população. É preciso realimentar sempre essa desumanidade social para tornar o negro invisibilizado nas favelas e periferias da ordem burguesa. Somente nessas condições de profunda injustiça social e opressão racial é que as elites constroem para si mesmas a imagem de um país “branco”. Branco nos melhores empregos, nos altos escalões do serviço público, nas melhores escolas, nas universidades, nos aeroportos, nos shoppings. Branco na publicidade, na televisão etc. Com raras exceções, o negro só se torna visível quando sofre violência.

Mas o Brasil tem essa fisionomia racial e força cultural porque, desde os primeiros anos de escravidão, sempre houve resistência e luta pela liberdade. Expressão dessa resistência histórica, o movimento negro tem obtido vitórias importantes, como a de incluir na Constituição o racismo como crime inafiançável.

Agora, somos vítimas de enorme retrocesso, mas conquistamos políticas públicas de promoção da igualdade racial e de gênero, pois a discriminação da mulher negra, tanto por racismo quanto por machismo, é a face mais revoltante da exclusão social.

Em 18 de novembro de 2015, em Brasília, mais de cinquenta mil mulheres negras de todo o país mostraram força e mobilização com a realização da Marcha das Mulheres Negras — Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver.

Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral aprovou a proporcionalidade dos fundos eleitorais e do tempo de rádio e televisão para as candidaturas negras, fruto de consulta feita em nome do movimento negro. Isso é um exemplo, entre outros, da conquista de espaços de poder e de representação política por parte do povo negro.

É uma luta incessante, em múltiplas frentes, pela valorização da nossa história, cultura e autoestima. Querem nos fazer um povo sem história para melhor nos oprimir, mas os talentos negros brotam na literatura, nas ciências e na apropriação de nossa trajetória, de nossos heróis e do nosso protagonismo.

Finalmente, é importante dizer que a luta por uma sociedade e um governo antirracistas não diz respeito exclusivamente ao povo negro, mas interessa cada vez mais à sociedade como um todo. E não somente no Brasil, mas no mundo todo com o movimento “Vidas Negras Importam”, que surgiu dos protestos contra a morte de George Floyd (estadunidense estrangulado em Minneapolis, no dia 25 de maio de 2020, por um policial que ajoelhou em seu pescoço durante uma abordagem policial).

Há nesse anseio multirracial contra a violência — a que os segmentos negros são submetidos — o desejo de uma sociedade de paz, inclusiva, de direitos e com respeito às diferenças.

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