Anúncios de escravos: os classificados da época

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“O Brasil é um país mestiço, com algumas ilhas negras”.
(Glória Moura, no livro “Os herdeiros da noite”)

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Os anúncios de fuga, venda e aluguel de negros, no século 19, são considerados os primórdios dos atuais classificados impressos nos jornais que circulam no cotidiano dos brasileiros. Analisando sob o prisma econômico, o negro era considerado uma mercadoria (um bem) da qual seu proprietário fazia o uso que desejasse: a mão de obra escrava podia ser vendida ou alugada (escravos de aluguel).

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Nossa economia, durante o período colonial e imperial, foi baseada no latifúndio monocultor e na mão de obra escrava, onde o status social era proporcional à quantidade de escravos que o proprietário possuísse para servi-lo. A fuga ou morte de um escravo representava um prejuízo financeiro a seu dono, principalmente após a Lei de Euzébio de Queirós (1850) que proibiu o tráfico de escravizados. Diante desta proibição, intensificou-se o comércio interno, entre as províncias, e o custo para comprar um escravo ficou ainda mais caro. Neste nefando mercado, o tráfico negreiro oferecia escravizados, com altas taxas de custo, visando a suprir a falta de mão de obra que era adquirida, na “Mãe África”, por baixos valores ou pelo simples sistema de permuta.

O negro saudável, em boa condição física, tinha um valor monetário alto, e muitos enriqueceram praticando esta intermediação comercial, inclusive, coma participação, muitas vezes, de irmãos de etnia que, depois de comprarem sua liberdade (alforria), ganhavam dinheiro, participando do aprisionamento e transporte nos tumbeiros (navios) de escravizados, para serem comercializados, a exemplo também de outros negros que, na condição de “capitães do mato”, perseguiam seus “irmãos de etnia” quando estes fugiam do cativeiro.

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Ainda que paradoxal, é o fato de existirem jornais que defendiam um discurso abolicionista, porém, devido a dificuldades de ordem econômica, divulgavam esses anúncios. Em Pelotas (RS), A Discussão (1881), de acordo com o historiador, escritor e militar Souza Docca (1884-1945), foi o jornal pioneiro, no Brasil, ao deixar de publicar anúncios, nos quais estivesse presente a figura do escravizado.

O primeiro jornal impresso na Província de São Pedro (RS), o Diário de Porto Alegre, iniciou sua circulação em 1º de junho de 1827, encerrando suas atividades em 30 de junho de 1828. O título do periódico foi uma homenagem à Capital da província gaúcha. Além da presença das notícias de teor político, do movimento comercial da cidade e também de sonetos, eram constantes os anúncios de venda, fuga ou aluguel de escravizados. Seguem alguns exemplos de anúncios publicados neste periódico que foi o pioneiro da imprensa gaúcha:

Venda: Vende-se uma escrava parda, cozinheira, costureira, engomadeira e rapariga. Quem a quiser comprar procure na rua da Igreja nº 25, à direita, na esquina dos Pecados Mortais (trecho da atual Bento Martins).

– Quem quiser comprar uma molequinha nova (escrava-criança) cozinha o ordinário. Quem pretender comprar dirija-se a rua do Arvoredo a casa nº 13 e ali achará com quem tratar.

Fuga: – Uma escrava de nome Francisca de nação rebola, idade de 25 anos, estatura ordinária, beiços grossos e um sinal na testa como um círculo de um vintém, fugiu em março. Quem a trouxer dirija-se a rua do Cotovelo n º 70, que ganhará boas alvíssaras.

Aluguel: – Quem tiver uma ama-de-leite que seja sadia e saiba tratar crianças e queira alugar, anuncie a sua moradia para ser procurado.

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A presença destes anúncios foi uma característica presente nos jornais do país, por um longo período, a exemplo do Correio Paulistano que, no dia 15 de abril de 1874, publicou este anúncio de fuga de três escravos de uma fazenda.

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   Escravos Fugidos

   Fugiram em dias de Março do corrente anno, da fazenda de José Fernando d’Almeida Barros do município de Piracicaba, os escravos: Pantaleão, alto fulo, nariz afilado boa dentadura, bahiano, falla macia 30 annos. Fernando preto, baixo, corpulento, boa dentadura, bahiano 25 annos mais ou menos. Estes escravos foram trazidos a esta província ha pouco tempo pelo sr. Raphael Ascoli; levaram alguma roupa fina e blusa de baeta vermelha, e oferece-se uma boa gratificação a quem os prender e entregar ao seu senhor ou em São Paulo ao sr. José Alves de Sá Rocha.                                    

A Revolução Industrial, liderada pela Inglaterra, desde o século 18, trouxe mudanças nas relações de trabalho e produção, embora a exploração de mão de obra permanecesse, dando origem a vários movimentos e greves de operários (Movimento do Proletariado) que foram se organizando, enquanto classe, na defesa de seus direitos e melhores salários. Crianças e mulheres eram exploradas pelos proprietários das fábricas. A Revolução Industrial resultou numa outra forma de dominação e exploração das elites econômicas. Com as transformações, no campo econômico, surgiu o operariado que, sendo explorado pela classe patronal, passou a lutar por melhores condições de vida e justiça social.

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Retomando a questão da escravidão negra, quando foi do interesse britânico, os ingleses criaram, em 1831, uma lei proibindo o Tráfico Negreiro, pois o dinheiro investido, nesse mercado infame, poderia ser utilizado na compra de suas mercadorias, ampliando o seu mercado de consumo e gerando mais riqueza para o país.

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O Brasil foi o último país a realizar, tardiamente, a abolição (1888) nas Américas, assim como a última monarquia num contexto de países independentes e republicanos. A liberdade concedida, pela Lei Áurea de 13 de maio de 1888, a esta população escravizada, ocorreu sem um planejamento de inclusão social para estes homens que, embora estivessem livres do jugo da escravidão, estavam despreparados para adentrar numa sociedade capitalista e competitiva, além de carregarem o estigma de terem sido escravizados.

Evidente que, dentro deste contexto de exclusão, a sobrevivência do liberto ficou limitada a espaços próprios dos cidadãos denominados de “terceira classe”, caracterizados pela baixa renda econômica ou por total ausência de recursos, vivendo em total miserabilidade e esquecimento social. Ainda temos de considerar o fato de que muitos libertos preferiram seguir junto a seus antigos senhores a ficar ao relento da rua sem nenhum auxílio.

Em Porto Alegre, no imaginário construído pelo preconceito, os locais conhecidos como territórios negros, a exemplo da Colônia Africana (atual bairro Rio Branco), Ilhota e Areal da Baronesa, eram considerados espaços “malditos” e frequentados somente por gente de “má fama”, como registrou a historiadora Sandra Jatahy Pesavento (1945-2009) em seu livro, Uma outra Cidade / O mundo dos excluídos no final do século XIX, publicado, em 2001, pela Companhia Editora Nacional.

A sociedade ofereceu a liberdade, mas não o passaporte da cidadania que se estabelece pelo viés da inclusão social. Infelizmente, sentimos o legado nefasto desta política colonialista e excludente até os dias de hoje. O racismo, em suas diversas formas de manifestação, constitui-se num câncer social que deve ser extirpado, visando à construção de uma sociedade mais justa e fraterna. O caminho é longo e pontuado por inúmeros desafios, mas não podemos desistir desta conquista.


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Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite, é Pesquisador e Coordenador do Setor de Imprensa do Musecom*


Bibliografia

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MIRANDA, Marcia Eckert; LEITE, Carlos Roberto Saraiva da Costa. Jornais raros do Musecom: 1808-1924. Porto Alegre: Comunicação Impressa, 2008.

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MOURA, Clovis. Rebeliões da Senzala. Porto Alegre: Mercado Aberto,1988.

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VILASBOAS, Ilma Silva; BITTENCOURT JUNIOR, Losvaldyr Carvalho; SOUZA; Vinícius Vieira de. Museu de Percurso do Negro. Prefeitura Municipal. Porto Alegre: Ed. Grafiserv, 2010.


** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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