Após 50 anos, punhos erguidos na Olimpíada de 1968 se tornaram atemporais

Enviado por / FontePor Arthur Sandes, doUOL

O ano de 1968 foi um marco da violência em um contexto de grande simbolismo cultural e cívico. A Guerra do Vietnã, o conturbado Maio de 68 na França e a Primavera de Praga estavam nas manchetes, enquanto o movimento por direitos civis dos negros norte-americanos perdia uma de suas principais vozes, Martin  Luther King, assassinado. Neste cenário os Jogos Olímpicos daquele ano foram marcados não por recordes esportivos ou medalhas conquistadas, mas por dois punhos erguidos no pódio. Cinquenta anos depois, tal protesto nunca pareceu tão atual.

Em 16 de outubro de 1968, na Cidade do México, Tommie Smith e John Carlos levaram ouro e bronze, respectivamente, na prova dos 200m rasos. No pódio, durante o hino dos Estados Unidos, os velocistas ergueram punhos fechados com luvas pretas, o gesto inconfundível do movimento ‘Black Power’. O protesto, à época, estendeu ao esporte uma luta duramente travada há anos nos EUA — mais ou menos o que ocorre hoje, com Colin Kaepernick e Serena Williams.

A segregação racial foi regra no país até a década de 1950, quando os movimentos de resistência ao racismo ganharam mais força e frequência. Então Rosa Parks negou-se a ceder seu lugar em um ônibus do Alabama, e a luta por direitos civis cresceu de forma avassaladora. Entre as lideranças, despontaram Martin Luther King Jr. e Malcom-X, cada um com suas propostas para melhorar as condições de vida dos negros nos EUA. É a conjuntura que legitima os punhos erguidos de Tommie Smith e John Carlos.

Nos Anos 60, a sociedade nos Estados Unidos entra em colapso. A Lei dos Direitos Civis finalmente proíbe a segregação no país inteiro, e a tensão social se torna incontrolável. Malcom-X é assassinado; surgem os Panteras Negras; há a Rebelião de Detroit… Em cerca de três anos, uma série de acontecimentos entram para a história como marcos do movimento por direitos civis dos negros. Então chega 1968, e Luther King é assassinado — seis meses antes dos Jogos Olímpicos.

De certa forma, o gesto de Tommie Smith e John Carlos nos Jogos Olímpicos do México denota o envolvimento de grandes atletas no maior debate da época. “Somos negros e temos orgulho. A América Negra entende o que fizemos”, disse Smith na ocasião. Foi uma mensagem poderosa, semelhante à de Muhammad Ali, que pouco antes havia se negado a combater no Vietnã (o país não lhe havia feito mal algum, argumentara o boxeador, enquanto negros eram “tratados como cachorros, sem direitos humanos básicos” em sua cidade-natal, Lousville).

Não é difícil traçar um paralelo com a atualidade. Na NFL, há dois anos, Colin Kaepernick e Eric Reid se ajoelharam durante o hino nacional dos EUA em protesto contra a violência da abordagem policial aos negros. Tal reivindicação não é de exclusividade do século XXI, explica a historiadora Mírian Cristina de Moura Garrido, cujo mestrado é sobre o assunto. “Não está muito longe [da luta negra dos anos 60]. A reação à violência policial é justamente uma das questões que se mantém. Hoje, é como uma herança do movimento ‘Black Lives Matter’, e na época era a pauta de uma das Panteras Negras, a [filósofa] Angela Davis”, lembra, referindo-se a uma das maiores ativistas norte-americanas.

Nos anos 60, tal era a preocupação quanto à violência policial, que o próprio surgimento dos Panteras Negras se dá para proteger moradores dos bairros negros. “Eles faziam patrulhas para estar sempre por perto quando um jovem era abordado pela polícia, assim fiscalizavam a atuação dos policiais e, em caso de abusos, faziam queixas formais”, explica a historiadora.

É claro que o método de Kaepernick, atualmente sem time na NFL após ficar marcado pelos protestos, está longe da beligerância dos Panteras Negras, mas a causa tem tudo a ver com Tommie Smith e John Carlos. Em um cenário ainda muito desfavorável ao negro nos Estados Unidos, o jogador usou os holofotes que tinha para alertar para uma injustiça social — exatamente como a dupla velocista em 1968. Cinquenta anos depois, afinal, o protesto naqueles Jogos Olímpicos parece ter se tornado atemporal.

+ sobre o tema

Ativistas iniciam marcha de 40 dias para pedir medidas contra racismo nos EUA

Washington, 1 ago (EFE).- Ativistas em defesa dos afro-americanos...

Filha mais nova de Mike Tyson morre após acidente doméstico nos EUA

A filha mais nova de Mike Tayson, ex-boxeador americano,...

Ato-debate internacional pela liberdade do ex-pantera negra Mumia Abu-Jamal

Mumia Abu-Jamal é um preso político. Ex-Pantera Negra, jornalista,...

Obama assina artigo feminista e diz que homens devem lutar contra o machismo

Em um artigo que já vem sendo considerado histórico,...

para lembrar

spot_imgspot_img

‘Fui um menino negro criado por avós supremacistas brancos que me ensinaram a saudação nazista’

Shane McCrae é um consagrado poeta norte-americano. Ele foi premiado diversas vezes, publicou uma dezena de livros e é professor de redação criativa da...

Como um discurso de Harry Belafonte, morto aos 96, mudou minha vida

No verão de 2013, participei de um dia de palestras na Fundação Ford, em Manhattan. Intitulado "O Caminho pela Frente para os Direitos Civis:...

Minneapolis aprova projeto de reforma policial três anos após morte de George Floyd

A cidade americana de Minneapolis anunciou, nesta sexta-feira (31), que aprovou um projeto de reforma policial, quase três anos depois que George Floyd morreu asfixiado pela pressão...
-+=