O zagueiro Rafael Vaz sentiu tristeza, raiva, vontade de brigar e de chorar – tudo junto – quando viu que sua foto no Instagram, ao lado de sua filha Raphaella, recebeu comentários com a palavra “macaco” e outras que não podem ser publicadas aqui. Sete meses depois do episódio, ficou o receio, quase medo, de usar as redes sociais.
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“Fico com receio de que aconteça de novo. Penso três vezes antes de postar qualquer coisa. Na internet, as pessoas sabem que não serão pegas. Quem fez uma vez, vai fazer de novo”, comentou o defensor do Flamengo, o time de maior torcida no Rio de Janeiro. “A única coisa que me deixa aliviado é que minha filha era bem novinha, menos de dois anos de idade, e não entendia o que acontecia”, disse.
Para proteger a família, que ficou bastante abalada, Rafael Vaz deixou a história para lá, não tentou identificar os agressores e não fez Boletim de Ocorrência. Mas hoje agiria de modo diferente. “O clube colocou os advogados à minha disposição, mas fiquei com medo de expor a família. Procurei não mexer na ferida. Mas se acontecesse hoje, eu iria à delegacia. Estou levantando uma bandeira para mostrar o que está acontecendo no Brasil. Não temos de ficar quietos. Temos de falar”, acredita.
Aos 29 anos, Rafael Vaz dos Santos fala com clareza, com frases que têm começo, meio e fim. É articulado. Toma cuidado para não escorregar nas concordâncias verbais. Avança com facilidade pelo tema delicado – o beque foi um dos poucos que aceitaram relatar a sua experiência como vítima de injúria racial. “O silêncio atrapalha. Quando acontece um crime, você tem de denunciar. Sei que isso pode ter repercussão entre os próprios racistas, mas tem de partir de alguém. Estou fazendo a minha parte. É um start”.
Rafael Vaz ganhou destaque no Ceará em 2013 pela segurança na defesa e eficiência no ataque. Recebeu o apelido de Beckenbauer Alvinegro quando jogou as partidas finais do Campeonato Cearense com o ombro deslocado – o eterno capitão da seleção alemã viveu a mesma situação na Copa do Mundo de 1974.
O brasileiro foi contratado pelo Vasco com pompa. Seria o substituto de Dedé. Viveu altos e baixos na carreira, mas se sagrou bicampeão carioca em 2015 e 2016 – foi o autor do gol do título na final contra o Botafogo. Neste ano, foi novamente campeão, agora com o Flamengo. Seu contrato vai até 2018.
Os xingamentos na internet não foram a primeira experiência de Rafael Vaz com a discriminação. Há quatro anos, quando andava por um shopping no Rio de Janeiro, com o pai e um primo, de chinelo e bermuda, vestimenta típica de jogador de futebol, foi seguido pelos seguranças do local. “Eles disseram que era “norma do shopping”, contou o zagueiro. “Não fomos embora. Ficamos lá e fizemos o que fomos fazer. Depois que viram que eu era jogador de futebol, tentaram pedir desculpas”, relatou.
O zagueiro evita fazer críticas aos internautas, mas acha difícil encontrar explicações para o aumento do número de casos de racismo no Brasil. “As pessoas não são maduras o suficiente. Temos dezenas de problemas mais sérios e as pessoas estão preocupadas com o tom de pele. Cada um tinha de tentar se ajudar para enfrentarmos outros situações difíceis”, comentou.
A saída para o problema, em sua opinião, é a adoção de punições mais severas para os agressores. “Os mais responsáveis têm de punir. Não pode ficar só na ameaça ou na fiança. A injúria tem de ser tratada como crime (com o rigor da própria lei que já existe)”.
Embora Raphaella tenha completado dois anos, seu pai já sabe como prepará-la para o futuro em relação ao tema. “Eu só vou poder blindá-la até certo ponto. Vou falar que ela vai passar por isso, não tem jeito ainda, mas vai precisar ser forte e levantar a cabeça para seguir em frente”.