Aquela medicina popular que herdamos e devemos preservar

Por: FÁTIMA OLIVEIRA

Entre outras, o poder curativo das bolsas de água quente

No sertão era usada em tudo quanto era dor e inflamação. Ainda é um santo remédio! Quando a gente torcia o pé, tinha torcicolo ou “carne triada” (estiramento muscular) e até se as perebas ou furúnculos inflamavam demais, lá vinha ela cheia de água quente. Era posta no local inflamado ou dolorido, numa temperatura suportável até esfriar. Falo da velha bolsa de água quente, de borracha, que por anos existiu só na cor de barro amarelona-avermelhada (ou seria marrom?). Nem todo mundo possuía uma, então ela vivia de casa em casa. Quase sempre que dela necessitávamos, era preciso correr a vizinhança para encontrá-la.

Em doenças mais comuns, o povo da roça se vale de remédios caseiros, as “meizinhas” e cataplasmas, frios e quentes, patrimônios da sabedoria popular. Para terçol, compressa de água morna num pano limpinho, uns cinco a dez minutos, três vezes ao dia, uns dois dias. Dor de ouvido? Não resiste a compressa de água quente, duas ou três aplicações, três vezes ao dia, uns dois dias. Até hoje uso. E por que não, se são saberes que integram a termoterapia e a hidroterapia?

Cientificamente está comprovado o poder curativo do calor em processos inflamatórios fechados, pois em nível celular aumenta o metabolismo, a atividade enzimática e a permeabilidade da membrana celular, ampliando o transporte de oxigênio e nutrientes. Ao dilatar as arteríolas e capilares, aumenta a permeabilidade capilar. Nas terminações nervosas produz aumento do limiar da dor – efeito sedante.

Egípcios, muçulmanos, assírios e hindus usavam a água para fins terapêuticos. Gregos e romanos nos legaram o “sistema de banhos”: o caldarium (quente), o tepidarium (morno) e o frigidarium (frio). A ação terapêutica decorre de como a água é utilizada, se fria (estimula e revigora) ou quente (acalma e relaxa); e da aplicação: se em imersões totais ou parciais, jatos, duchas, massagens, movimentos dentro de piscinas ou tanques, compressas, cataplasmas, inalações, banhos de assento – coadjuvantes no tratamento de hemorróidas, fissuras anais e infecções vaginais – e o milenar escalda-pés.

A crônica é uma viagem iniciada quando li uma matéria sobre a última moda em centros naturistas, cuja propaganda encanta: “O escalda-pés funciona na parte do reequilíbrio emocional e energético, sempre voltado para o relaxamento”. Diabéticos, portadores de esclerose múltipla, de pressão arterial alta ou baixa e as grávidas devem evitá-lo. O escalda-pés – concretiza o aforismo que é um conceito básico da medicina chinesa: “cabeça fria e pés quentes” – consiste em mergulhar os pés até a altura dos tornozelos numa bacia com água quente em temperatura tolerável (38°C a 46°C), por 20 a 30 minutos. Podem ser acrescentados sal grosso e/ou gotas de óleo ou essências terapêuticas.

Conhecido desde 4.000 a. C., o escalda-pés era usado para descansar e aliviar os pés após longas caminhadas. Usa-se para combater resfriados; gripes; amigdalites; dores reumáticas; cãibras; insônia; cólicas menstruais; dor nas costas e torcicolos; diminuir inchaço e dor nas pernas; aliviar dores de cabeça; estimular o sono e ativar a circulação. Tem sido usado por terapeutas naturistas como auxiliar na recuperação de AVC (Acidente Vascular Cerebral), quando a pressão arterial está normal. Não há literatura médica a respeito. Avalio que, ao produzir vasodilatação generalizada e aumento da temperatura corporal, que induzem sedação e relaxamento, pode carrear benefícios no cuidado das sequelas do pós-AVC.

Fonte: O Tempo

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