Arlindo do Carmo Pires Barbeitos

Biografia

Arlindo do Carmo Pires Barbeitos, nasceu em Catete, Província de Icolo e Bengo, Angola, em 24 de Dezembro de 1940. Em 1961, foi obrigado a fugir de seu país por motivos políticos. Foi para a França, Bélgica, Suíça, Alemanha, onde cursou Antropologia e Sociologia na Universidade de Frankfurt. Doutorou-se em Etnologia e foi professor na Universidade Livre de Berlim Ocidental e na Universidade de Angola, país ao qual regressou em 1975. A sua poesia tem reminiscências da poética tradicional africana, de tradição oral, e das poesias chinesa e japonesa.

Obra Poética:

Angola Angolê Angolema, 1975, Lisboa, Sá da Costa; Nzoji (Sonho), 1979, Lisboa, Sá da Costa; Fiapos de Sonho, 1990, Lisboa, Vega; Na Leveza do Luar Crescente, 1998, Lisboa, Editorial Caminho.
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Amanheceu/quem diria
amanheceu
quem diria
que inda agora hoje era ontem
e que cacos ao longe não iam ser olhos de bicho
quem diria
que patos-bravos mergulhando não eram jacarés
e que lagartos azuis iam a quatro patas
quem diria
que bosta de elefante não eram pedras
e que guerrilheiros antigos iam pisar a sua mina
quem diria
que o professor cismando não era surdo
e que os alunos não iam falar a sua língua
quem diria
que a moça do Muié
que inda agora era virgem logo já o não é
quem diria
que inda agora hoje era ontem
amanheceu (Angola Angolê Angolema)
Casinhas pequenas/abrigando
casinhas pequenas
abrigando
histórias das histórias da história
se fazendo
e inda outras

casinhas pequenas
abrigando
famílias das famílias da família
se fazendo
e inda outras

histórias das histórias da história
e inda outras
famílias das famílias da família
e inda outras
se emaranhando
em um novelo
que cresce cresce cresce
em casinhas pequenas (Nzoji)

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No tempo/em que as pacaças entravam 
no tempo
em que as pacaças entravam
pelos povoados
o vôo alvoraçado das perdizes
carregava sonhos
que a mãozinha inerme de criança feliz
agarrava ao lusco-fusco dos muxitos
no tempo
em que as pacaças entravam
pelos povoados (Na leveza do luar crescente)
Oh flor da noite/onde todo o orvalho se perde
Oh flor da noite
onde todo o orvalho se perde

teus olhos
não são estrelas
não são colibris

teus olhos
são abismos imensos
onde na escuridão
todo um passado se esconde

teus olhos
são abismos imensos
onde na escuridão
todo um futuro se forma

oh flor da noite
onde todo o orvalho se perde

teus olhos
não são estrelas
não são colibris (Angola Angolê Angolema)
“borboletas de luz”
borboletas de luz
esvoaçando
de cadáver em cadáver
colhem
o fedor dos mortos em vão

e pelos buracos da renda dos dias
passam alacres
do mundo do esquecimento
ao país da indiferença
levando consigo
o pólen fatal
das flores da guerra
borboletas de luz (Na leveza do luar crescente)
“oh alambique…”
oh alambique
de saudade

destilando
álcool de poesia
pára pára

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oh alambique
de saudade (Na leveza do luar crescente)
“imersa em sereno de lusco-fusco”
imersa
em sereno de lusco-fusco
e
suspensa em vazio

São-Tomé

carrocel de montanhas
carregador de nuvens
transportados de sonhos
irrompendo
de abismo de espuma
e
sumindo
em precipício de bruma

São-Tomé

suspensa em vazio
e
imersa em sereno de lusco-fusco (Na leveza do luar crescente)
“na leveza do luar crescente”
Na leveza do luar crescente
sobe
a ilusão da felicidade
que teu gesto distraído me dá

como se
plumas vogando suaves na brisa
fossem
vida de pássaro apodrecendo
na leveza do luar crescente (Na leveza do luar crescente)
“na transparência da tardinha”
na transparência da tardinha
que impávidos imbondeiros sombreiam

cantar de galinha do mato
é eco de um tempo
em que ilusão e verdade
cirandavam alheias ao mundo
a esperança medrava verde
verde como rebento de capim de outubro

na transparência da tardinha
que impávidos imbondeiros sombreiam (Na leveza do luar crescente)
“pela névoa de pesadelo”
pela névoa de pesadelo
a dor passa
clandestina
a fronteira dos instantes
e implacável
monta guarda
ao porão dos dias
ao contorno dos gestos
ao ruído das coisas
e ao sentido das palavras embaciadas
pela névoa do pesadelo (Na leveza do luar crescente)
“na quietude cristalina da alvorada”
na quietude cristalina da alvorada
como se imóvel o bando de patos bravos
cruzava o céu
o hipopótamo fendia silente o jade
das águas
o jacaré jazia inerte no limo opaco
a garça debicava a compasso sapos
no lodo
o canavial remexia suave as pontas
amarelas
a brisa afagava leve o capim ralo
das margens
o arvoredo sacudia gentil da folhagem
o sereno da noite
o fumo subia vagaroso dos quimbos
em redor
e o tiro ribombava assassino
na quietude cristalina da alvorada (Na leveza do luar crescente)
“na planura onde o capim secou”
na planura onde o capim secou
a poeira fina
cobre as carcaças
que a morte caprichosa
foi espalhando

murchos estão os seios
que o menino agarra
e das árvores esquálidas
pendem papéis velhos e trapos
das esperanças promessas e palavras de um tempo
sobra
o silêncio vazio e amargo da morte
na planura onde o capim secou (Na leveza do luar crescente)

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“oh Angola dor mansa e bruta”

oh Angola
dor mansa e bruta de menina
descuidada e contente

desandando
em gargalhada teimosa
e pé de dança atrevido
para loucura de abismo

a compasso
de marimbas guitarras elétricas
e minas

oh Angola
dor mansa e bruta de menina
descuidada e contente (Na leveza do luar crescente)

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“A feiticeira de olhar de prata”
a feiticeira de olhar de prata
cansada da tranqüilidade de fronteiras e de acampamentos
largou as pedrinhas que ficaram das pedras
e se exilou para lá dos sonhos


em sua libata de nuvens brancas
e envolta em panos de bruma
enrola linhas de horizonte
em grossos novelos
que por tardes de chuva desdobra
pelo céu alto
em longos arco-íris

a feiticeira de olhar de prata
me aguarda
encoberta em mosquiteiro de brisa
na sua funda alcova de luas e de estrelas
devagar
de lágrimas e sol
ela vai tecendo a renda de meus dias

Poemas escolhidos por: Profª Neide Carvalho

Da Escola Escola Estadual Prof. Almeida Junior

Jardim Esmeralda – São Paulo

 

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