Artigo convoca fiéis de matriz africana à política

Walmir Damasceno, jornalista, bacharel em Direito, especialista em Educação para as Relações Étnico-Raciais e pai de santo de candomblé de matriz congo-angola, escreve artigo para o Favela 247 reiterando o caráter laico do Estado e pedindo para os povos e comunidades tradicionais de matriz africana se atentarem ao discurso dos políticos nessas eleições: “Mas claro é que, enquanto Estadista, se espera que saiba diferenciar suas posições pessoais daquelas que adota como política de Estado e de Governo. E que tampouco dê asas às tendências religiosas que diminuam as demais, bem como adotem qualquer comportamento hostil a outras religiosidades divergentes”

Por *Walmir Damasceno, para oFavela 247

Do posicionamento dos povos e comunidades de terreiro frente às eleições que se aproximam

O sagrado espaço da espiritualidade, seja de qual tendência ou credo em que colocarmos nossa atenção, é ambiente onde muitas pessoas rejeitam de forma tácita, ou mesmo explícita, os debates de natureza política e profana. Seja por aversão à tendência excessivamente acalorada que os interesses conflitantes nesses embates geram, seja por considerarem que todo o tema é de fato indigno de atenção.

Porém, queiramos ou não, tais assuntos e interesses permeiam a vida de todas as pessoas, e a falta de posicionamento já é uma posição que penderá para a maioria, ou seja, reforçando a tendência política que prevalecer.

Do ponto de vista do ordenamento jurídico e formal, o Estado deve ser laico, ou seja: tratar com equanimidade todas as religiões, sem parcialidade ou privilégio a qualquer que seja. Porém, distante desta posição é a do Estadista em seu foro íntimo, que pode adotar qualquer tendência religiosa.

Mas claro é que, enquanto Estadista, se espera que saiba diferenciar suas posições pessoais daquelas que adota como política de Estado e de Governo. E que tampouco dê asas às tendências religiosas que diminuam as demais, bem como adotem qualquer comportamento hostil a outras religiosidades divergentes.

Este é o caráter laico que se espera de um governante. Porém, não se pode dizer o mesmo das agremiações religiosas particulares, que enquanto agrupamento de pessoas deverão aderir às tendências que mais se assemelhem com seus ideais.

Aqui finalmente chegamos ao grupo que nos interessa particularmente, e a quem dirigimos nossas palavras: o dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana. Nossos irmãos de fé, que também se diferenciam entre si em diversos matizes, precisam adotar a nosso ver uma posição mais participativa e aderente às correntes que disputam o poder central da política brasileira.

Importante analisar agora quais as particularidades de pensamento e de comportamento que parecem caracterizar tais postulantes. Se inspiram o ideal de liberdade, de igualdade e de equanimidade que nosso país necessita para a manutenção de um amplo espectro democrático no campo das liberdades religiosas. Se dão plena garantia de que serão governantes aptos a realizar esta divisão entre a esfera pessoal e a esfera governamental.

É importante neste momento refletir para além dos interesses imediatos e pensar no mais amplo interesse, que, do ponto de vista religioso, pode ser traduzido num profundo respeito às mais diferentes crenças e plena liberdade de expressão das diferentes tradições religiosas.

Essa é nossa opinião, de que nenhum plano de governo, nenhuma tendência deveria receber respeito e apoio, se não estiver sustentada por essa real característica de respeito ao seu povo, o respeito pelas diferentes crenças que o inspira no seu sentimento do sagrado.
*Walmir Damasceno, 51, é jornalista e bacharel em Direito, especialista em Educação para as Relações Étnico-Raciais, ex-coordenador de Politicas de Promoção da Igualdade Racial do Município de Itapecerica da Serra-SP, ex-assessor especial do Gabinete do Secretário de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia. É Taata Kwa Nkisi Katuvanjesi (pai de santo), dirigente tradicional de Terreiro de Matriz Africana Bantu (candomblé congo-angola) e coordenador nacional do Ilabantu

 

Fonte: Brasil 247

+ sobre o tema

para lembrar

21 de Janeiro – 4ª Caminhada contra Intolerância Religiosa

21 de Janeiro - 4ª Caminhada contra Intolerância Religiosa

Orixás se tornam super-herois em filme nigeriano

Estamos cansados de assistir filmes com referências ao panteão...

Afro-Brazilian religions struggle against Evangelical hostility

SANTA CRUZ, Brazil — The religious ceremony had only just...
spot_imgspot_img

Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra da OAB SP faz audiência pública sobre o uso de vestimentas religiosas nos ambientes de justiça

Nesta terça-feira (13), a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil da OAB SP (Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo)...

Geledés aborda intolerância religiosa na ONU

Para além das sessões no Conselho de Direitos Humanos, Geledés-Instituto da Mulher Negra participou de reuniões paralelas com diferentes equipes nas Nações Unidas com...

Avanço evangélico ameaça religiões afro em quilombos de Pernambuco

Entre as imagens de Santa Luzia, Cosme e Damião, São Jorge, Nossa Senhora da Conceição, Preto Velho, Iemanjá e da Cabocla Jurema, Abel José,...
-+=