Artilheiro da França não canta o hino do país em protesto contra xenofobia

Na primeira vez que a Marselhesa foi entoada na Copa do Brasil, Karim Benzema ficou calado. O artilheiro e principal jogador da seleção francesa escolheu não cantar o hino nacional de seu país em um protesto silencioso contra a xenofobia presente na letra e na sociedade multicultural da França.

Benzema, como milhões de franceses, é filho de imigrantes de uma das colônias que o país teve no século 20, no caso dele, a Argélia. E a letra da Marselhesa diz: “Às armas, cidadãos / formai vossos batalhões / marchemos, marchemos! / Que um sangue impuro / banhe o nosso solo.”

As palavras são de 1792, uma época em que a França estava dominada por exércitos estrangeiros, contra os quais a Marselhesa invocava sua ira. Mas, na leitura moderna, a expressão “sangue impuro” é interpretada como uma referência aos imigrantes e seus filhos, cujos direitos civis vêm sendo cada vez mais ameaçados com a ascensão de grupos políticos de ultradireita.

O protesto de Benzema ganhou o centro do debate político no ano passado, quando Jean Marie Le Pen, o presidente de honra do partido ultraconservador Frente Nacional, sugeriu que ele não fosse mais convocado por não cantar o hino.

Le Pen, em sua fúria contra aqueles que não considera “os verdadeiros franceses”, é o mesmo que exigira, em 1998, que não fossem convocados à seleção jogadores negros ou de origem árabe. Mas é a essa geração Black-Blanc-Beur (negros, brancos, árabes) que o futebol francês deve seu único título mundial.

Blanc

E curiosamente, um dos integrantes daquela geração, Laurent Blanc, foi muito criticado quando era técnico da seleção por participar de uma reunião em que se discutiu a possibilidade de limitar a convocação de jogadores de origem estrangeira nas categorias de base da França. O episódio ajuda a dimensionar a extensão da controvérsia que toma conta das conversas no país.

“Se eu cantar o hino, não significa que vou marcar três gols”, disse Benzema ao ser questionado sobre a questão. “E se eu não cantar, mas quando o jogo começar, fizer três gols, não acho que alguém vá dizer que eu não cantei a Marselhesa. Ninguém vai me obrigar a cantar. Mesmo alguns torcedores não cantam. Zidane, por exemplo, não cantava necessariamente. E há outros.”

Há mesmo. Zidane, também filho de argelinos, é o mais proeminente da lista. Franck Ribery, cuja mulher é argelina, também apenas murmurava a canção, exibindo um entusiasmo muito menor do que o empregado em suas orações islâmicas antes dos jogos.

E Michel Platini, outro ídolo do país, já disse que em sua geração nenhum jogador cantava o hino, mesmo aqueles sem nenhuma ascendência senão a francesa.

Karembeu

Christian Karembeu, um dos principais nomes do título mundial de 1998 e nascido no território da Nova Caledônia, parou de cantar em 1996 logo depois de um dos primeiros ataques de Le Pen ao multiculturalismo da seleção.

A seleção, dizia Le Pen, estava “cheia de falsos franceses que não cantam a Marselhesa.”

“A partir daí, eu não cantei mais a Marselhesa”, disse Karembeu. “Para mostrar para as pessoas quem nós [imigrantes] somos.” Foi ele quem melhor verbalizou o desconforto que sentem os jogadores com origem nas colônias que defendem a seleção.

Ele sabia a letra de cor, porque mesmo em sua terra natal, as crianças eram ensinadas sobre o hino desde muito cedo, mas quando o ouvia pensava em seus ancestrais, os indígenas Kanaks da Nova Calendônia que foram levados à Segunda Guerra Mundial para morrer pela França.

“A história da França é a história de suas colônias. Acima de tudo, eu sou Kanak. Eu não consigo cantar o hino francês porque eu conheço a história do meu povo.”

A polêmica sobre cantar ou não a Marselhesa vai além dos campos de futebol, como bem percebeu Christiane Taubira, a ministra da Justiça, nascida na Guiana Francesa. No mês passado, ela ouviu o hino calada durante uma cerimônia pública. Virou alvo da ira da Frente Nacional, que exigiu sua demissão.

Mas é nos gramados que essa questão ganha uma alegoria perfeita na medida em que a seleção reflete, como poucas outras instituições, a diversidade étnica do país.

O time que veio ao Brasil e jogará nesta quarta-feira contra o Equador (o placar UOL Esporte transmite a partida em tempo real a partir das 17h de Brasília) está cheia de jogadores com origens estrangeiras, como Blaise Matuidi, (de ascendência angolana), Mamadou Sakho (do Zaire) e Patrice Evra (do Senegal).

Laurent Dubois, professor de História da Duke University, resumiu da seguinte forma a polêmica sobre o comportamento dos jogadores antes dos jogos.

“Eles vão rezar a Jesus, Alá ou Zaratustra? Fiquem à vontade. Querem invocar seus ancestrais, ou o espírito do fundador da Copa do Mundo, o francês Jules Rimet, ou o deus da guerra africano Ogun? Tudo certo. No fim do jogo, como Benzema aponta, se eles marcarem três gols e trouxerem a vitória, ninguém vai lembrar o que eles estavam cantando quando o jogo começou.”

Fonte:Uol

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