As mulheres indianas que estão descobrindo novos medicamentos dentro de suas casas

Tanusree Chaudhuri, de 34 anos, estava grávida de seu primeiro filho quando seu supervisor lhe disse que ela teria que abandonar seus sonhos. Ela estava fazendo um doutorado em biologia computacional e queria ajudar a melhorar a saúde das pessoas.

Por Tatum Anderson, da BBC

Tanusree Chaudhuri (no centro) conseguiu realizar o sonho de tornar-se pesquisadora ao entrar em uma plataforma de trabalho remoto

“Ele me disse: você é casada agora, por que precisa de um doutorado? Você tem que cuidar da sua família “, lembra.

Os planos da jovem incluíam trabalhar na descoberta de novos medicamentos e continuar seus estudos em um prestigiado instituto perto de Calcutá, na Índia.

Mas quando ela se casou e se mudou para Hyderabad, por conta do trabalho do marido, Chaudhuri se deparou com a resistência cultural.

“É esperado das mulheres casadas o cuidado com a família porque, sem a família, não somos nada. Não se espera que desejemos o privilégio de pensar e fazer pesquisa.”

Laboratório online

Mesmo não sendo estimulada a continuar, a jovem encontrou num laboratório virtual online a oportunidade de participar, mesmo de casa, das pesquisas.

A plataforma Open Source Drug Discovery (OSDD) foi criada pelo governo indiano e permitia que os cientistas colaborassem remotamente, buscando moléculas que pudessem ser transformadas em medicamentos úteis.

Trabalhar em casa se adequava às necessidades de Chaudhuri e de seu bebê – além de ajudá-la a chegar mais perto do seu sonho.

“Conheci muitas pessoas diferentes (virtualmente). Lembro-me de uma garota que era de um lugar muito remoto. Mas conseguimos trabalhar juntas porque nos falávamos pelo Skype. Nunca nos conhecemos pessoalmente”, lembra a indiana.

Ayisha Safeeda veio de uma família tradicional, mas conseguiu intercalar os estudos com a amamentação do filho

 

Existem muitas outras plataformas de código aberto na comunidade científica, cada uma com sua própria especialidade, desde a análise genômica até pesquisas sobre o câncer.

Muitas mulheres em toda a Índia e em outras economias emergentes estão descobrindo nelas uma ferramenta para libertação.

Depois que a plataforma do governo indiano fechou em 2016, Chaudhuri e suas colegas começaram a trabalhar para outra organização, a Open Source Pharma Foundation (OSPF), uma parceria entre profissionais da indústria farmacêutica e acadêmicos.

O objetivo do programa é descobrir medicamentos acessíveis, e cientistas de todo o mundo trabalham nela remotamente.

Entre os livros e a amamentação

Ayisha Safeeda, de Kuttichira, no estado de Kerala, vem de uma família muçulmana muito tradicional e vive em uma área remota. Mas ela conseguiu seu diploma de mestrado através de uma plataforma de pesquisa colaborativa.

“Mesmo que eu amamente meu bebê, posso ler pesquisas e trabalhar no meu laptop. Então, as mulheres que têm um grande potencial mas estão atadas à família devem dar este passo”, diz Safeeda.

Chaudhuri desenvolve softwares para plataformas colaborativas em diferentes disciplinas, como Biologia e Física.

Rakhila Pradeep, outra pesquisadora virtual do Estado de Tamil Nadu, diz que ela sempre adorou pesquisas, mas se viu diante da impossibilidade de acessar instituições de ensino.

“O esforço diário para acessar universidades distantes da nossa aldeia é uma jornada pesada e não é prática para nós”, afirma.

“Não conseguimos nos afastar de nossos filhos e parentes idosos por muitos dias.”

Rakhila Pradeep diz que a distância de sua aldeia rural dos centros de pesquisa a impediu por anos de fazer o que mais gosta: estudar

O especialista em biologia computacional UC Jaleel supervisionou muitos dos projetos realizados por estas qualificadas profissionais, e diz que elas são uma fonte inexplorada de talentos.

Relembrando seus dias de faculdade, ele diz que normalmente as estudantes superavam em número – e desempenho – seus contemporâneos homens. Mas em algum momento elas desapareceriam.

“Essas mulheres eram altamente educadas, mas a maioria delas acabaram como donas de casa depois de se casar.”

Jaleel acredita firmemente no modelo das plataformas abertas, particularmente se elas puderem levar medicamentos mais baratos às famílias mais pobres do mundo.

“O objetivo comum é reduzir o tempo e o custo da descoberta de medicamentos, conectar o potencial humano desconectado e mobilizá-lo para fins humanitários”, diz ele.

Conectividade ainda é obstáculo

‘Sonhar é proibido para nós, meninas indianas’, diz Tanusree Chaudhuri (na foto, com as filhas)

Els Torreele, diretora executiva da campanha de acessibilidade da organização Médicos Sem Fronteiras, acredita que ações colaborativas podem ter um papel importante na descoberta de medicamentos acessíveis.

“As colaborações abertas de pesquisa são uma estratégia crucial para avançar e possivelmente acelerar a inovação médica, inclusive na área de doenças negligenciadas, onde o compartilhamento de conhecimento é ainda mais crítico do que em outros campos.”

A Open Source Pharma Foundation, onde trabalha Tanusree Chaudhuri, está em seus estágios iniciais. Por isso, ainda enfrenta desafios como o pouco acesso à internet em muitas áreas rurais.

O financiamento é outra preocupação, embora a fundação tenha recebido verbas do fundo indiano Tata Trusts.

Mas Chaudhuri, que não só tem um título como PhD mas agora é professora assistente, diz que ela e suas alunas planejam trabalhar para que plataformas colaborativas se expandam.

“Sonhar é proibido para para nós, meninas indianas, a menos que tenhamos esse tipo de oportunidade”, afirma.

“Precisamos ter nossos próprios sonhos e nosso próprio sustento.”

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