Ativismo ou responsabilidade judicial?

Tornou-se senso comum no debate político brasileiro de acusar o Judiciário de ativista. Não gosto do termo. Prefiro distinguir as decisões judiciais em boas ou más, em função de sua maior ou menor aderência às regras do direito na solução de problemas concretos. Nesse sentido, a postura mais ou menos “responsiva” do Judiciário deve ser uma consequência da complexidade dos problemas que é convocado a resolver e da natureza dos direitos que cumpre assegurar.

Na chamada “ADPF das favelas”, o Supremo Tribunal Federal foi chamado a julgar a grave omissão do estado do Rio de Janeiro em restringir o emprego abusivo da força letal pelas polícias contra as populações, sobretudo negras, que vivem em suas comunidades mais pobres, descumprindo inclusive decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A decisão cautelar do Supremo, em agosto de 2020, foi restringir a realização de operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro, durante a pandemia, que deveriam ocorrer apenas em situações excepcionais e dentro determinados limites. Como foi destacado pelo ministro Gilmar Mendes, o “tema da letalidade policial é extremamente complexo”, evidenciando a questão da “desigualdade” e da “seletividade” criminal. A consequência imediata da decisão foi não apenas a redução da letalidade policial, mas também dos índices de criminalidade, inclusive homicídios, naquelas comunidades.

Essa decisão do Supremo passou, no entanto, a ser desafiada por uma série de operações de legalidade questionável, a partir de outubro de 2020, culminando com a chacina do Jacarezinho, no último dia 6 de maio.

Nesta sexta-feira, 21 de maio, em resposta aos embargos de declaração interpostos pelas partes, o ministro Edson Fachin proferiu uma decisão não apenas importante, mas inovadora. Após destacar a gravidade das violações sistemáticas aos direitos humanos a que estão submetidas as populações das comunidades do Rio de Janeiro e exaltar a coragem de familiares e das entidades que participaram das audiências públicas –sem em nenhum momento estigmatizar o trabalho policial–, o ministro esclareceu que o Judiciário não pode se omitir face a resistência do poder público em adotar protocolos para o emprego da força letal, em preservar as cenas dos crimes, bem como as dificuldades do Ministério Público Estadual em exercer o controle externo sobre as atividades policias. Como deixou claro: “as falhas decorrentes dessas omissões custam vidas”.

Sem se substituir às autoridades responsáveis, o ministro determinou onze medidas, entre as quais destacam-se as obrigações de o Estado de apresentar, em 90 dias, um plano visando a redução da letalidade policial, que deve estar alinhado com os Princípios Básicos para Utilização de armas de Fogo da ONU e com a Constituição; a criação de um “Observatório Judicial de Polícia Cidadã”, para acompanhar esse processo de natureza estrutural; a criação de um sistema eficiente de controle da atividade policial, a ser aferido pelo Conselho Nacional do Ministério Público; e a abertura de uma investigação para apurar o eventual descumprimento da decisão do STF no episódio de Jacarezinho.

Zero ativismo. O ministro Fachin apenas cumpriu, por meio de uma decisão gerencial ou coordenadora, sua missão de magistrado, ao ser provocado a se manifestar sobre a omissão daqueles que teriam a responsabilidade primária por assegurar o direito fundamental à vida e à segurança pública da população. Espera-se agora que essa decisão seja referendada pelos demais membros do Supremo.

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