Baile de favela? Só se for bem longe dela!

A favela é quase um mito urbano. Não porque haja dúvidas sobre sua existência, mas porque paira sobre tudo aquilo que desconhecemos – e a favela é certamente uma dessas coisas – uma aura mítica que permite a qualquer hipótese encaixar-se, contanto que ela confirme e acentue a distância entre aquela realidade e a nossa.

Por Larissa Rosa, do HuffPost Brasil

O viés adotado pela mídia e abraçado pela opinião pública sobre a periferia faz um recorte muito específico e reduz toda a complexidade da vida nos morros e nas margens das grandes cidades: da ponte pra lá, é só violência.

O sentimento em relação a esses espaços por parte de quem não pertence a eles, por conseguinte, é o medo. E é justamente a fobia social sobre o que não se conhece de fato que dá o respaldo necessário para as ações policiais que visam a impedir uma das poucas possibilidades de lazer nas favelas: o baile funk.

O curioso, no entanto, é o recente olhar de glamourização que vem sendo lançado sobre a pobreza, fazendo que aquele que antes diminuía a cultura das favelas agora se aproxime dela.

Embora a generalização das periferias como ambiente violento continue impregnada no senso comum, a nova perspectiva dos centros urbanos que adota a cultura pobre e favelada para si, em suas vestes, gírias e demais manifestações, é também cada vez mais visível.

Os dois olhares, apesar de opostos por excelência, parecem coexistir de forma harmônica, em um tipo perigoso de harmonia, no imaginário social.

O mesmo jovem branco e de classe média que se desloca do condomínio no Jardins até a Rua Augusta para uma festa chamada “baile de favela” e canta exaltado o clássico refrão “eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci” é também o sujeito que dificilmente pisaria em uma comunidade — e, se o fizesse, seria por um erro infeliz e traumático do GPS. Também é ele que, ao assistir ao noticiário, é incapaz de desenvolver qualquer empatia por alguma das questões do cotidiano das periferias brasileiras.

Entre todas as razões que poderiam explicar o fenômeno da fetichização da cultura periférica, é possível apontar como grande culpado um dos efeitos mais nocivos da sociedade capitalista: mesmo o que se opõe ao capital, e talvez principalmente isso, passa pela esteira de produção que trata de suprimir todo o seu sentido para transformá-lo em mero produto a ser consumido – por aqueles que estão aptos a fazê-lo, é claro.

De acordo com essa lógica, gozamos de grande ironia em nosso cotidiano: a única forma do baile de favela ser legítimo é acontecendo bem longe da favela e não permitindo a entrada de favelados.

 

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