Belém e favela do Moinho, faces da gentrificação

Força da grana destrói a vida de moradores pobres como se descartáveis fossem

O que uma região central de São Paulo, cruzada por linhas de trem, a favela do Moinho, tem a ver com a periferia de Belém, sede da COP30? Em uma palavra: o descaso. Tanto cá como lá, territórios marginalizados têm sido objeto de intervenções pelas autoridades, que não se preocupam em melhorar as condições de vida dos que ali habitam, e sim em expulsá-los de suas terras para higienizar o espaço ou torná-lo mais agradável para inglês vê-lo (a expressão escravocrata parece cair bem aqui).

Comecemos no centro da capital paulista. Esta Folha tem feito um trabalho primoroso em mostrar a face humana por trás da expulsão de famílias da favela do Moinho. A alta adesão de moradores ao plano da CDHU não deve ser lida senão como falta de opção de moradia e coerção policial, com interesses econômicos no terreno. A polícia se arma da truculência: cercou a comunidade, reprimindo protestos e ingressando em casas com cães.

“Para onde eu vou, pelo amor de Deus?”, disse uma das moradoras, que aceitou a proposta de R$ 800 de auxílio aluguel com medo de ficar na rua. Para onde vão os moradores: para longe do centro de São Paulo e separados de suas famílias, seja pelo baixo auxílio, seja porque a maior parte dos imóveis no centro não está ainda pronta. Os comerciantes tampouco estão recebendo tratamento específico senão a expulsão com R$ 800 no bolso.

Com a desculpa de combate ao crime organizado, não cabe a Nunes e Tarcísio deixarem 800 famílias ao léu, reféns de seu próprio destino, mas sim oferecer moradia digna, adequada e no centro.

E Belém, outro exemplo da marginalização de locais periféricos? Na capital paraense, em que oito a cada dez moradores não dispõem de coleta de esgoto, foi priorizada a construção de um “cartão de visitas” no caminho do aeroporto, para os delegados da COP30, deixando os moradores locais por ora sem as obras de melhoria prometidas.

De Norte a Sul, de Belém à favela do Moinho, a força da grana destrói a vida de moradores pobres como se descartáveis fossem.


Thiago Amparo – Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação

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