“Nem todos os torcedores croatas são fascistas. Nem todos os torcedores franceses são multiculturalistas.
Por Juarez Xavier, no Facebook
Não são todos os croatas que entoam “bojna cavoglave”, canção de apologia aos nazifascistas na II Guerra Mundial.
Nem são todos admiradores do partido Ustasha – de extrema direita, nacionalista, fascista e racista – que preparou, em Zagreb, a capital do país, a recepção às tropas nazistas.
São essas narrativas que se enfrentam no domingo. Essa é a outra final da Copa do Mundo”. e 750 mil sérvios, ciganos,” judeus, gays e antifascistas, entre 1941 e 1945.
Tampouco fazem a saudação “za dom spremni” (prontos para a pátria) dos extremistas do Ustasha.
Assim como nem todos os torcedores franceses criticam o papel do país nas ações racistas que moldaram o Ocidente: a escravização do povos africanos, a barbárie da colonização e a segregação sócio-étnico-espacial, violência que tem na periferia de Paris seu microcosmo sintético.
São conhecidas as apaixonadas palavras antirracistas proferidas pelo poeta Aimée Fernand David Césaire sobre a violência francesa na Martinica.
“Nenhuma raça possui o monopólio da beleza, da inteligência e da força. Há lugar para todos no grande encontro da glória”.
Como são conhecidas as fraturas, físicas e mentais, provocadas pelo colonialismo francês na Argélia, denunciadas por Frantz Omar Fanon, médico, psiquiatra e intelectual da Martinica que atuou naquele país colonizado.
Vale também recordar as reflexões feitas pelo pensador camaronês Achille Mbembe sobre as contribuições francesas na construção do racismo moderno, cuja Frente Nacional é a equação perfeita.
Ele que também sentenciou: “eu reafirmo a cultura africana como aberta, sempre aberta à pluralidade”.
Enfim, para além de todas essas considerações, a realidade é mais complexa!
O que se debate é como o futebol retroalimentou o ideal nazifascista croata e o multiculturalismo democrático francês.
Na Croácia, desde os tempos da Iugoslávia, o futebol alimentou o ovo da serpente nazista.
Foi o foco do nacionalismo extremo e xenófobo, sustentado por políticos, dirigentes, jogadores e torcedores.
Há uma cápsula nazifascista que atualiza essa narrativa na Copa do Mundo da Rússia, dentro e fora do campo.
Na França, entretanto, os imigrantes que vivem a subcidadania francesa se apropriaram do futebol para enfrentar o racismo ascendente.
Foi, por exemplo, a estratégia do jogador de origem argelina Zinédine Zidane, ao não cantar o hino nacional, e do jogador guadalupense Ruddy Lilian Thuram-Ulien, ao denunciar o racismo sistêmico no mundo do futebol.
São narrativas opostas. Uma delas segue pelo trilho do nazifascismo; a outra, do multiculturalismo.
A copa é a mídia que sinalizará para a esfera pública global um desses vetores: a fabulacão da pureza étnica nazifascista ou a utopia multicultural de negros, brancos e árabes.
São essas narrativas que se enfrentam no domingo. Essa é a outra final da Copa do Mundo”.
* Black, Blanc, Beur (Negros, brancos e árabes do norte da África, termo utilizado nos cânticos dos torcedores franceses na Copa do Mundo de 1998, na França).
Juarez Xavier, Doutor em Comunicação e Cultura, jornalista, corinthianista e coordenador do Núcleo Negro da Unesp