Black Flower – o lado feminino do Afrobeat

Fela Kuti é considerado um dos mais importantes músicos nigerianos. Sua obra é marcada por inovações musicais e pelo ativismo político. Mas nem sempre foi assim, na primeira fase de sua carreira, Fela queria simplesmente fazer dinheiro e fama tocando seu highlife jazz com a banda Koola Lobitos.

por Rosa Couto, do Afreaka

Seu despertar para as questões políticas e raciais, que culminou com a criação do Afrobeat, só aconteceu graças à presença de mulheres marcantes em sua vida. A primeira delas foi sua mãe, Funmilayo Kuti, que certo dia o aconselhou: “Comece a tocar música que sua gente entenda e não o jazz”, dando a ele a chave para o sucesso entre os africanos.

fela

Funmilayo foi a primeira mulher a dirigir um automóvel na Nigéria colonial e a viajar para os países socialistas da “Cortina de Ferro”, sendo recebida na China pelo próprio Mao Tsé-Tung. Foi amiga de grandes líderes pan-africanos como Kwame Nkrumah e possuía uma personalidade que não aceitava sujeição. Fundou a Associação das Mulheres Nigerianas e obteve diversas conquistas, como o direito ao voto feminino em seu país. Bere (como era conhecida), foi exemplo de ativista e paradigma para Fela Kuti, tanto que após sua morte, tornou-se um guia espiritual para ele, que acreditava comunicar-se com ela através da chuva.

Em uma viagem aos Estados Unidos, em 1969, Fela conheceu uma mulher que o apresentou a uma África até então desconhecida por ele – um continente que servia de inspiração para as lutas pelos direitos civis dos negros americanos. Sandra Izsadore era militante do Partido dos Panteras Negras e foi quem introduziu Fela ao pensamento de Malcolm X e de outros tantos líderes do movimento negro. Sandra foi mentora, amante e amiga, sem a qual, toda a cena contracultural criada por Fela em Lagos não seria possível. A música My Lady’s Frustation – considerada o primeiro single a apresentar as características do estilo conhecido como Afrobeat – foi uma homenagem a Sandra.

rainha-11

Inimigo público número 1 dos governos corruptos nigerianos e ícone contracultural entre a juventude, Fela buscava viver de acordo com suas concepções da cultura tradicional. Era poligâmico e casou-se, em 1978, com vinte e sete mulheres, membros de sua banda Afrika 70. Algumas dessas mulheres faziam parte do coro feminino que dinamizava em canto-e-resposta suas composições. Outras eram dançarinas e formavam um espetáculo à parte. Marcavam com seus corpos o tempo forte das músicas, funcionando quase como metrônomos vivos, dando teatralidade às apresentações ao vivo.

Em seu livro Fela: esta vida puta! Carlos Moore nos mostra as personalidades marcantes de algumas das Rainhas (como Fela costumava chamar suas esposas). Mesmo após sofrerem ataques policiais, preconceitos e violências de todas as espécies, essas mulheres sonhavam com um futuro melhor para si e para o continente africano. Najite Mokoro, quando perguntada  o porque estava com Fela, foi incisiva: “Porque eu gosto dele. Eu entendo ele. Ele luta pela liberdade africana e gosto dele por isso também”. Alake Adedipe, diante da mesma pergunta, respondeu: “Olha, o tipo de vida que eu levo com Fela é muito diferente do tipo de vida que eu levava com minha família. Na minha família eles são muito, muito colonialistas. Sem liberdade de expressão. Sem liberdade de circulação”.

Fela_and_Band_in_Concert_Berlin_1978

Na concepção extremamente particular que Fela possuía da herança tradicional iorubana, homens e mulheres tinham papéis e funções claramente estabelecidas, em que elas deviam obediência aos seus maridos, como fica claro em canções como Lady. Mesmo diante destes fatos, várias mulheres viram em Kalakuta – nome da comuna na qual Fela vivia com membros de sua banda e amigos que ali chegavam – um espaço de liberdade e de conquista de sonhos. Todas essas mulheres tiveram responsabilidades na criação do Afrobeat. Todas elas – mães, amantes, esposas, artistas e, sobretudo, mulheres de seu tempo – contribuíram para a configuração de um dos mais importantes cenários contraculturais do continente africano, marcando a luta política e estética por espaços de liberdade.

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