Bobby McFerrin: “Não gosto de ‘Don’t worry be happy’” (íntegra)

RODRIGO TURRER

 

O cantor americano, Bobby McFerrin, famoso por usar sua voz para fazer sons de instrumentos, diz que não canta mais a canção que o tornou rico

O americano Bobby McFerrin, 61 anos, não suporta cantar a sua música de maior sucesso. Em 1988, quando lançou “Don’t Worry Be Happy”, não acreditava que a canção chegasse ao topo da Billboard, a principal parada de sucessos americana. A música foi impulsionada pelo sucesso do filme Cocktail, em que Tom Cruise interpreta um barman de sucesso. Desde meados dos anos 1990, Bobby McFerrin se nega a interpretar a canção em seus shows. “Me cansei de cantá-la ao vivo”, afirma McFerrin à c. “Foi meu maior sucesso comercial e me deu um bom dinheiro. Mas é a canção menos representativa da minha carreira e do meu estilo”. Ele fará duas apresentações no Rio de Janeiro (26 e 30 de julho) e uma em São Paulo (28 de julho) na 5ª edição da Série Jazz All Nights 2011. Ele diz que em seu show vai interpretar diversos clássicos, mas garante: “Don’t Worry Be Happy”, nem pensar.

ENTREVISTA – BOBBY MCFERRIN

QUEM É

O jazzista Bobby McFerrin é cantor e compositor, reconhecido por sua técnica capaz de transformar a voz em instrumento musical

O QUE FEZ

Em 30 anos de carreira lançou 18 álbuns, ganhou dez prêmios Grammy e vendeu mais de 20 milhões de discos

QUANDO SE APRESENTA

No Rio de Janeiro, 26 e 30 de julho, no Theatro Municipal, ingressos de R$ 60 a R$ 1.800; em São Paulo, 28 de julho, na Via Funchal, ingressos de R$ 150 a R$ 400

ÉPOCA – Qual repertório o senhor pretende tocar nos shows do Brasil?

Bobby McFerrin – Vou tocar alguns clássicos. Ainda estou elaborando. Tenho mais dúvidas do que certezas, e vou decidir na hora. Talvez inclua alguma música do The Voice [álbum de 1984], do Spontaneous Inventions [de 1986]. Também vou tocar algumas canções de VOCAbularies [último disco, de 2010]. Não muitas porque é um álbum extenso. Sei com certeza que não vou cantar “Don’t Worry Be Happy”.

ÉPOCA – O senhor se incomoda que parte do público o associe tanto a “Don’t Worry be Happy”?

Bobby McFerrin – Claro que me incomoda. Não gosto de “Don’t Worry be Happy”. Compus em 1987, depois de ouvir a frase na casa de amigos [a frase é do guru indiano Meher Baba, famoso espiritualista hindu. Nos anos 1960, cartazes dele com a frase circulavam entre hippies e alternativos ocidentais]. A frase revelava uma filosofia profunda em poucas palavras. A música foi um sucesso, a primeira canção a capella a atingir o top da Billboard. Foi meu maior sucesso comercial, me permitiu fazer todo o tipo de coisas que queria, e me deu um bom dinheiro. Mas é a canção menos representativa da minha carreira e do meu estilo. Me cansei de cantá-la ao vivo.

ÉPOCA – O que o senhor faz quando insistem para que interprete a canção?

Bobby McFerrin – Nada. Digo muito obrigado e sinto muito. Agradeço aos fãs pelo carinho, mas não vou cantar algo que não me desperte sentimento algum.

ÉPOCA – O senhor nunca teve vontade de se aproveitar do sucesso pop de “Don’t Worry” e gravar outros discos com uma fórmula semelhante?

Bobby McFerrin – Meu trabalho não é sobre isso. A fama não me diz nada, e o que faço não é itencional. Não planejo o que vou fazer, não almejo a grana ou o sucesso. As gravadoras tentaram algumas vezes me dizer “Faça isso primeiro, ganhe dinheiro, depois se aventure nas explorações”. Tentaram muitas vezes, aliás. Isso é bobagem. Faço o que eu quero. Prefiro ter integridade musical a ter dinheiro ou sucesso.

ÉPOCA – A fórmula da sua música é o improviso. Como cria suas canções e as recria nos shows?

Bobby McFerrin – O segredo da improvisação é o movimento, cara. As notas devem vir de algum lugar na cabeça, mas prefiro pensar que vem do nada. Você canta uma nota, depois outra, e depois outra, e assim vai. Como uma jam session, sem instrumentos, só com a voz. Quando sai de minha boca, acredite, estou ouvindo aquilo pela primeira vez, assim como a plateia. Eu não planejo como vou cantar. Não carrego as ideias em meu bolso.

ÉPOCA – O que inspira sua música?

Bobby McFerrin – Tudo. Qualquer barulho, qualquer sílaba, qualquer frase, qualquer movimento. O que eu ouço, vejo, sinto ou como. Tudo me inspira. Sabe, eu não teorizo mais. Cresci em uma família musical, aprendi toda a teoria na infância e na juventude. Hoje apenas presto atenção aos sons que encontro.

ÉPOCA – Por que o senhor fez uma pausa na carreira em 2002?

Bobby McFerrin – Precisava me reencontrar espiritualmente depois de gravar Beyond Words [album de 2002]. Sou um cara espiritual. Leio a Bíblia todos os dias, e não imagino a vida possível sem a religião e sem o meu trabalho.

ÉPOCA – O senhor gravou um disco com interpretações de Mozart, [The Mozart Sessions, 1996] e conduz orquestras. Qual sua ligação com a música erudita?

Bobby McFerrin – A música clássica sempre esteve presente em minha vida. Cresci ouvindo Bach, Mozart e inúmeras óperas. As óperas marcaram minha infância, porque meu pai era um grande barítono [Robert McFerrin, o primeiro negro a cantar no palco do Metropolitan Opera, em Nova York, em 1955]. Cresci ouvindo meu pai, aprendi com ele. Também por isso me dediquei a explorar a voz como recurso. Meu primeiro instrumento sempre foi a voz. Só mais tarde, no fim dos anos 1970, é que um coreógrafo me incentivou a usar o corpo como instrumento.

ÉPOCA – Como foi a experiência de conduzir uma orquestra?

Bobby McFerrin – Sempre me engajei na música clássica de alguma maneira. Ela faz parte de mim, como já disse. Conduzir foi algo que aconteceu repentinamente. Em 1994, conduzi a Orquestra Sinfônica de São Francisco como maestro convidado. De lá para cá tive outras experiências exuberantes: conduzir a Orquestra Filarmônica de Munique e a Orquestra do Teatro alla Scala, em Milão. Ser maestro é o oposto da música que faço.

ÉPOCA – Como assim?

Bobby McFerrin – Conduzir uma orquestra é o contrário de improvisar. Você tem de dominar a técnica, ficar preso a ela. Os músicos clássicos não gostam de improvisar. Alguns improvisam, mas não é parte da educação deles. Infelizmente, porque os mais geniais sempre foram exímios improvisadores.

ÉPOCA – O senhor tentava improvisar quando conduzia?

Bobby McFerrin – Não, nunca. Fico tão tenso que não conseguiria.

ÉPOCA – O senhor gosta de alguma coisa no cenário musical de hoje?

Bobby McFerrin – Não ouço música nova. Não me interesso, para ser sincero. Quase não ouço rádio, prefiro ouvir jazz e, principalmente, os gênios da música clássica. Mozart, Beethoven, Bach, Stravinsky. Na verdade, a única coisa boa que ouvi em anos no rádio foi uma cantora inglesa… Como ela se chama, mesmo? [Pergunta para o filho Taylor, também músico] Adele, isso. Ela tem uma voz potente, não canta aqueles pastiches de música soul.

ÉPOCA – O senhor acha que a música de hoje está decadente?

Bobby McFerrin – Tenho certeza. A música perdeu seus elementos espirituais. O poder da música deixou de ser o espírito para ser o entretenimento. A música conduz a outros planos, e os músicos de hoje não percebem esse poder, de influenciar para o bem. Isso tem a ver com o coração das pessoas. Estão cada dia mais duras, ligadas ao dinheiro. A tecnologia também atrapalha. A maneira como ouvimos música hoje, no MP3, no iPod, nos torna impacientes, incapazes de apreciar. Não compramos um álbum e, com reverência, nos dedicamos a escutá-lo. Só ouvimos e tudo bem. A música hoje serve apenas como trilha sonora de fundo. E nada mais.

ÉPOCA – O senhor não gosta de tecnologia? Não usa mídias sociais, como Twitter e Facebook?

Bobby McFerrin – Não tenho nada contra. Apenas não gosto de dar minha opinião, meu parecer, sobre tudo, toda hora. É um desperdício de energia – e eu não tenho tanto assim a dizer.

ÉPOCA – Como é um dia típico na sua vida?

Bobby McFerrin – Quando não estou trabalhando, sem shows ou concertos, não é nada demais. Acordo cedo, por volta de 07h, passeio no parque, levo meu cão para andar. Volto para casa, ouço música, me concentro em meu trabalho. A vida na Pensilvânia não é muito agitada. Por isso moro aqui.

ÉPOCA – Com 30 anos de carreira e quase 20 álbuns, o senhor acha que atingiu seu máximo como cantor?

Bobby McFerrin – De jeito nenhum. Ao contrário. Houve um tempo em que pensei que já houvesse explorado tudo. Mas há muito por explorar ainda. Gêneros e estilos sobre os quais ainda vou me debruçar.

Fonte: Revista época

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