Brasil convida mecanismo da ONU ao combate do racismo na atuação policial

Artigo produzido por Redação de Geledés

A sociedade civil brasileira obteve uma importante vitória com a notícia de que o Brasil receberá um grupo de especialistas das Nações Unidas (ONU) para tratar da violência policial que tem impactado desproporcionalmente a população negra no país.

O apoio de especialistas na busca por reformas necessárias no policiamento no Brasil é um caminho que se abriu na ONU após casos notórios e de grande repercussão da violência policial nos Estados Unidos. O assassinato de George Floyd pela polícia dos EUA em 2020 desencadeou ondas de protestos em todo o mundo para pedir avançar na responsabilização de casos de violência policial, nas reparações às famílias das vítimas e, de forma geral, na igualdade racial no âmbito da justiça criminal.

Pouco mais de um ano após o assassinato de George Floyd, a ONU criou o Mecanismo Internacional de Especialistas Independentes para Avançar em Direção à Justiça e à Igualdade Racial no Contexto da Aplicação da Lei, em parte em resposta a esses apelos e à urgência de promover “mudanças transformadoras” no policiamento.

Desde então, juntamente com mais de 120 entidades, incluindo movimentos de base, organizações da sociedade civil e instituições de direitos humanos, a Human Rights Watch tem pressionado o governo brasileiro a convidar este Mecanismo para avaliar a violência policial no Brasil e orientar reformas. Esses esforços foram compensados na semana passada, quando o governo brasileiro nos informou que os especialistas da ONU visitarão o país no final de novembro.

A violência policial no Brasil é tão disseminada e descontrolada que foi destaque em um relatório recente da ONU pedindo a responsabilização de policiais abusivos em todo o mundo. Embora pessoas negras representem cerca de 56% da população brasileira, quase 80% das mais de 6.000 vítimas da letalidade policial em 2021 eram negras, de acordo com os dados mais recentes disponíveis.

Há anos a Human Rights Watch denuncia a violência policial e seu impacto desproporcional sobre a população negra no Brasil. Temos documentado execuções extrajudiciais e outras mortes cometidas por policiais que resultam do uso excessivo de força. Temos também demonstrado o fracasso das autoridades públicas em investigar adequadamente essas mortes e responsabilizar policiais que cometem abusos.

Nosso pedido ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro não obteve sucesso, o que não foi nenhuma surpresa. Enquanto presidente, Bolsonaro na prática incentivou a violência policial ao aplaudir policiais após operações letais em favelas do Rio de Janeiro, e impulsionou mudanças legislativas que tornariam ainda mais difícil responsabilizar policiais por abusos.

A posse do presidente Lula em janeiro trouxe uma mudança radical na política e retórica do governo sobre questões raciais. Um dos primeiros atos do presidente Lula foi criar um Ministério da Igualdade Racial, elevando uma pasta sucateada durante o governo Bolsonaro.

Para chefiar o recém-criado ministério, nomeou a ativista Anielle Franco, irmã de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro que tinha como uma de suas importantes agendas a defesa incansável das vítimas de abuso policial. Há cinco anos, Marielle e o motorista Anderson Gomes foram assassinados. Dois ex-policiais foram denunciados pelo crime.

Logo após a posse de Anielle como ministra, a Human Rights Watch se reuniu com ela – e com o recém-nomeado Ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida – para detalhar como o Mecanismo da ONU poderia ajudar o Brasil a elaborar planos para reduzir a brutalidade policial. Juntamo-nos então a mais de 60 aliados em uma carta enviada ao Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, instando o novo governo a formalizar o convite aos especialistas.

Na semana passada, recebemos uma resposta: o ministério finalmente convidou o Mecanismo para uma visita que ocorrerá entre os dias 27 de novembro e 8 de dezembro deste ano. Os membros do Mecanismo da ONU poderão ajudar as autoridades brasileiras no enfrentamento a uma cultura de impunidade em relação à brutalidade policial.

É esperado que os especialistas se encontrem com representantes de comunidades afetadas pela violência policial e levantem informações relevantes com a polícia e outros integrantes do sistema de justiça criminal. Eles devem emitir recomendações para instruir políticas públicas nas esferas federal e estaduais, com vistas a reduzir a letalidade policial, especialmente contra jovens negros.

Esse tipo de pressão externa pode ajudar a trazer um policiamento mais seguro para quem mora dentro e fora das comunidades, e salvar vidas.

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*Maria Laura Canineu é diretora do escritório da Human Rights Watch no Brasil.

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