Brasil faz ‘diplomacia da generosidade’ em Moçambique

Mesmo envolvendo um comércio tímido, a relação do Brasil com Moçambique é um celeiro de projetos que o governo brasileiro quer que façam história na sua relação com o continente africano.

Depois do Haiti, é para Moçambique que o Brasil envia o maior volume de recursos em projetos de cooperação técnica. Muitos deles são voltados para a capacitação de pessoas e instituições em áreas que incluem saúde, educação, agricultura e ciência e tecnologia.

No ano passado, o comércio do Brasil com Moçambique alcançou pouco mais de US$ 110 milhões e, até julho de 2010, somou US$ 22 milhões, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

É apenas uma fração do comércio do Brasil com a África, que alcançou US$ 26 bilhões em 2008 e chegou a US$ 11,5 bilhões até julho deste ano.

Os números que refletem a relação de Brasil e Moçambique são pequenos, mas, em um país onde mais da metade do orçamento do Estado provém de ajuda externa (as doações somarão US$ 1,6 bilhão só neste ano), a cooperação é bem-vinda.

Luta anti-HIV

Entre as iniciativas da “diplomacia da generosidade” – como vem sendo chamada a relação do Brasil com Moçambique – uma está sendo considerada tão exemplar que foi lançada pessoalmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em visita a Maputo, há dois anos.

Trata-se da primeira fábrica de medicamentos de Moçambique, que o Brasil ajuda o país a instalar.

A fábrica produzirá inclusive drogas antirretrovirais, usadas no combate à Aids. Isso poderá, no longo prazo, reduzir a dependência externa do país, que hoje importa todo remédio que consome.

O diretor-adjunto de Saúde Pública de Moçambique, Leonardo Chavane, disse que o país gasta hoje entre cerca de US$ 70 milhões com a importação de todos os medicamentos que consome.

“Pela primeira vez vamos ter uma fábrica desse gênero no país. Além do impacto de reduzir a dependência externa, ela vai abrir caminhos para que nós possamos de forma direta garantir a qualidade dos medicamentos”, afirmou.

A prevalência do vírus HIV na população sexualmente ativa em Moçambique é estimada em 12,5% das pessoas com idade entre 15 e 49 anos.

O governo moçambicano quer implantar a fábrica até o fim do ano. Como parte do projeto, o Brasil doará o registro de alguns dos medicamentos a serem fabricados, inclusive os de quatro que são usados no coquetel anti-Aids brasileiro.

Tais registros contêm informações sobre todo o processo de fabricação de determinada droga, desde a compra de insumos, fabricação, técnicas usadas na produção, até a embalagem. Além disso, o Brasil também que dar a Moçambique o direito de fabricar os medicamentos sem a necessidade de pagar royalties.

Chavane descreve a iniciativa como “pioneira” e o papel do Brasil, como “fundamental”.

“É uma fábrica nova e nós temos consciência de que, agora, não temos pessoal treinado para fazer a gestão de uma fábrica dessas. E o Brasil vai mandar o pessoal que vai treinar esses quadros, que depois de um tempo serão as pessoas que serão responsáveis pela gestão da fábrica”, afirma.

“Isso mostra até que ponto vai o apoio do Brasil. Além do financiamento, tem o apoio técnico e o apoio material para garantir que a fábrica possa funcionar, pelo menos no primeiro momento.”

Tirando do papel

O embaixador do Brasil em Maputo, Antonio de Souza e Silva, diz que muitas das iniciativas brasileiras em Moçambique nasceram como resposta a demandas do próprio governo moçambicano – que, como outros países africanos, vê o Brasil não só como uma potência, mas como uma espécie de “irmão maior”.

Outra área marcante da cooperação entre Brasil e Moçambique é a agrícola. No fim de agosto, foi assinado o acordo que deu o pontapé inicial no projeto ProSavana. O acordo prevê a transferência pelo Brasil de tecnologia agrícola para ajudar Moçambique a produzir alimentos em sua área de savana.

O projeto é uma vitrine para o Brasil, que pretende usar a tecnologia aplicada nos anos 1980 na transformação do cerrado brasileiro – um tipo de savana – em área de plantio.

Com o ProSavana, o governo de Moçambique diz que beneficiará 400 mil pequenos produtores da sua região nordeste. O representante da Embrapa em Moçambique, Levi de Moura Barros, diz que o Brasil também sairá ganhando com a iniciativa.

“É uma ajuda com sentido de dupla mão, porque o Brasil abre essas frentes de trabalho (em Moçambique) e as empresas brasileiras também vêm junto”, diz.

“Nós estamos ajudando, auxiliando na tecnologia, e ao mesmo tempo abrindo portas para as nossas empresas.”

Entretanto, nem todas essas iniciativas são unanimidade.

Em julho, o braço moçambicano da ONG Friends of the Earth, Justiça Ambiental, qualificou de “perverso” e “imoral” o acordo entre os dois países e a União Europeia para produzir biocombustível em terras moçambicanas.

O acordo, de cunho comercial, dará às empresas brasileiras que investirem em Moçambique acesso facilitado ao mercado europeu, incluindo isenções de tarifas como as concedidas a ex-colônias europeias.

Um dos objetivos da UE para combater o aquecimento global é chegar a 2020 com 10% do seu consumo de combustíveis no setor de transportes gerado por fontes renováveis.

Para os críticos, sendo Moçambique um país com graves problemas de fome, a prioridade de uso das terras deveria ser garantir a segurança alimentar, e não produzir biocombustíveis para consumo europeu.

Fonte: BBC Brasil

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