Brasileira cria fundo para financiar empreendedor negro, mulher e LGBTQIA+

Enviado por / FonteUOL, por Nivaldo Souza

A economista Luana Ozemela se apresenta como uma ativista do movimento negro gaúcho que se tornou tecnocrata, depois empresária e, agora, investidora de empresas fundadas por empreendedores negros.

Ela está à frente de uma das primeiras iniciativas globais de criação de um fundo de investimento o Roots Funding, voltado exclusivamente para colocar recursos em empresas criadas por negros, mulheres, LGBTQIA+ e indígenas da América Latina.

Ela é CEO e fundadora da Dima, empresa que faz a ponte de negócios entre América Latina e o mercado árabe a partir do Qatar, e investidora em múltiplas áreas em empresas de tecnologia, turismo, agricultura e mercado imobiliário. Agora, se dedica a impulsionar negócios criados por grupos diversos.

Focado em negros no Brasil

O Brasil deve ser o principal mercado do fundo por ter o maior ambiente de negócios da região. Por aqui, o recorte racial será dominante porque, apesar de 56% dos brasileiros serem negros, historicamente não existem produtos financeiros criados para as suas necessidades.

O projeto pretende captar US$ 60 milhões (cerca de R$ 314 milhões) de investidores privados, bancos e agências multilaterais de fomento de todo o mundo para comprar participações minoritárias em empresas criadas especialmente por empreendedores negros.

Ela e o sócio, Oscas Decotelli, também irão colocar recursos próprios no fundo. Para investidores, a cota mínima é de US$ 3 milhões (R$ 15 milhões).

Seleção de empresas

O Roots deve ser lançado formalmente em outubro para iniciar no próximo ano a seleção de empresas. O fundo deve comprar uma participação nessas empresas e se tornará sócio minoritário, em troca de uma injeção de capital de US$ 150 mil, US$ 500 mil ou US$ 3 milhões. Ou seja, na cotação atual do dólar: R$ 785 mil, R$ 2,6 milhões ou R$ 15,7 milhões, conforme o tamanho e a margem de lucro estimada para cada negócio.

A prioridade será investir em startups das áreas de saúde e educação, produtoras de conteúdo sobre diversidade para serviços de streaming e fintechs.

Cada negócio deve ter pelo menos um proprietário com mínimo de 25% da empresa, um CEO do grupo de diversidade ou 50% das cotas do empreendimento nas mãos de pessoas do grupo de diversidade.

Para quem não consegue crédito

O fundo pode financiar de 20 a 30 empreendimentos que já registram margens consistentes de lucro, mas que, apesar disso, ainda encontram dificuldade em obter crédito, seja por questões de raça, gênero ou sexualidade.

“A evidência [estatística] demonstra que os investidores negros têm 30% mais chance de fechar investimento com empreendedor negro”, declara Luana.

Não é filantropia

Luana diz que o fundo “não é filantrópico”, mas uma aposta em rentabilidade variável de 12% a 17% conforme o risco assumido pelo investidor que será sócio do Roots.

“A gente baseia o retorno esperado na carteira [de projetos] que estamos mapeando. Já temos uma carteira mapeada de US$ 10 milhões (R$ 52 milhões) em empreendimentos de pessoas negras, mulheres e indígenas não só no Brasil, mas também em países como México e Colômbia”, afirma.

Economista e gestor experientes

A economista é especialista no tema. Ela escolheu a profissão após ler, ainda na adolescência, um artigo de jornal com argumentos econômicos contrários ao sistema de cotas universitárias.

Luana conta que não entendeu nada do artigo e isso a fez perceber que precisava dominar o discurso econômico para brigar por equidade racial.

Largou uma carreira promissora na área de informática – já havia estagiado no Vale do Silício em uma multinacional.

Carreira internacional em diversidade

Ela ingressou no curso de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRJ) no final dos anos 1990.

De lá, construiu uma carreira internacional como especialista em diversidade e inclusão racial, com passagens por universidades da Alemanha e do Reino Unido. Até assumir a chefia de um pioneiro programa de diversidade do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Hoje, vive no Catar e é CEO da Dima – uma consultoria de investimento internacional.

Ao lado de Luana na criação do Roots está o gestor financeiro Oscar Decotelli. Ele fundou a DXA Invest em 2012 e, no ano passado, chegou à marca de R$ 1 bilhão em investimentos em cerca de 50 países.

Decotelli será o gestor do Roots, e Luana a responsável pela medição de impacto de risco. Juntos serão os primeiros negros à frente de um fundo de investimentos internacional sem subordinação a controladores brancos.

Visão estereotipada

O Instituto Locomotiva calcula que cerca de 14 milhões de negros são empreendedores no Brasil. Eles movimentam algo próximo a R$ 1,6 trilhão por ano na economia, conforme recorte em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os números são ofuscados, conforme avaliação de Luana, por uma visão estereotipada de operadores do mercado financeiro.

“Quando estava no BID, eu percebia que o mercado tinha uma percepção enviesada de que fundadores negros [de empresas] não tinham empreendimentos rentáveis. Mas ninguém tinha o dado [estatístico] para mostrar onde estão os empreendimentos, quais tipos e tamanho das empresas. Foi aí que decidi embarcar numa jornada para montar o Roots”, diz.

Apesar dos avanços, Luana e seu sócio na empreitada se depararam com algumas incompreensões veladamente raciais ao longo das negociações. “Um dos investidores quis mudar o nome do fundo”, afirma.

Roots significa raízes em inglês. O nome foi escolhido com significado bastante claro: estimular uma mudança nas bases do mercado financeiro brasileiro, onde poucos negros têm posição de destaque.

Mudança no mercado financeiro

A falta de atenção com a população afrodescendente já acendeu a luz amarela das autoridades do mercado, como a Comissão de Valores Imobiliários (CVM) e a Bolsa de Valores B3. A onda ESG, sigla em inglês para Governança Ambiental, Social e Corporativa, que tem ganhado força no mundo empresarial, abre caminhos na aproximação com potenciais investidores.

No final de 2020, a CVM abriu consulta para reformular a maneira como a diversidade é reportada pelas empresas de capital aberto, o que pode resultar na obrigatoriedade de informar o espaço ocupado nas companhias por negros, mulheres e outros grupos socialmente vistos como minorias.

Já o Laboratório de Inovação Financeira, do qual a B3 é uma das articuladoras, discute como levar a diversidade para o mercado. Movimento similar foi criado em 2011 pelo FED, o banco central dos EUA, que c

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