Cabem duas agendas

Transferência de renda, acesso à universidade e construção de casas não têm de minguar porque Joaquim Levy chegou

Por Flávia Oliveira

Foto: Marta Azevedo

No calor pós-apuração do segundo turno presidencial, ousei escrever que o Brasil saíra das urnas com duas agendas vencedoras. Naquele 26 de outubro, cem milhões de eleitores disseram sim ao par de modelos que devolveram o país aotop ten das maiores economias do planeta. De um lado, o arcabouço petista de tecnologia social, que deu escala ao Bolsa Família, pariu um programa habitacional do porte do Minha Casa Minha Vida e multiplicou o acesso à universidade. De outro, o tripé macroeconômico tucano, com câmbio flutuante, inflação no centro da meta e rígido controle fiscal. A divisão dos brasileiros — com três milhões de votos a mais para Dilma Rousseff — indicou que nenhum avanço das duas últimas décadas está descartado.

No desenho da nova equipe econômica, a presidente reeleita parece ter captado a mensagem. Dilma escolheu Joaquim Levy para pilotar o Ministério da Fazenda. Como gestor público, o engenheiro naval encarna imagem do homem que leva um escorpião no bolso. Quem bulir levará ferroada. Por onde passou, o futuro ministro deixou fama de intransigente guardião de cofres. No Tesouro Nacional, fez superávit recorde elevando arrecadação e cortando gastos. Na Fazenda fluminense, bancou o ajuste que içou o estado ao grau de investimento, a tal nota que abre portas do dinheiro farto e barato.

O ex-secretário tem obsessão por transparência e controle. É temido pela crença na fiscalização. No Rio, adotou o cruzamento entre receitas declaradas por varejistas e pagamentos recebidos de administradoras de crédito. Num exercício com mil empresas, o (sub) faturamento beirava um terço da renda com cartões. Por outro lado, tem “visão boa de desoneração de investimentos”, atesta Julio Bueno, secretário de Desenvolvimento do Rio desde o 1º mandato de Sérgio Cabral. Foi Levy que livrou bens de capital de tributação no Rio, o que ajudou a atrair grandes projetos industriais.

O Brasil do pior resultado fiscal em 22 anos e do investimento decrescente tem em Levy nome adequado para resgatar a confiança dos agentes econômicos. Em linguagem popular, a chapa vai esquentar para ministros gastadores. E também para contribuintes distraídos ou mal intencionados. Contabilidade criativa no “modo Levy” define as ferramentas usadas para recolher mais e gastar menos; nada a ver com camuflagem de desembolsos excessivos.

Ainda assim, Levy na Fazenda e manutenção dos gastos sociais não são, necessariamente, conceitos incompatíveis. Pela via das parcerias, o Estado pode reduzir o volume de recursos públicos em projetos de interesse privado, caso de estradas, portos, aeroportos, energia. Pode até sobrar dinheiro para áreas essenciais. Outra dica: recordes recentes na produção de petróleo indicam que vão pingar mais recursos na conta carimbada para saúde e educação. Em setembro de 2013, o fundo social dos royalties recolheu R$ 16 milhões. Este ano, no mesmo mês, R$ 114 milhões; em três trimestres, R$ 1,172 bilhão. Desde fins do ano passado, metade da bolada está vinculada ao par de setores.

Transferência de renda, acesso à universidade e construção de casas não têm de minguar porque Joaquim Levy chegou. Eficiência no gasto social não é um ministério desembolsar R$ 2 bilhões por mês, mas descobrir como 13 milhões de famílias melhoram de vida gastando os R$ 149 do benefício médio do Bolsa Família. E repetir a fórmula em Brasília.

 

Fonte: O Globo

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