Candomblé é tradição, ancestralidade e resistência

Para começar, não há nada de descolado em ser de religião de matriz africana. Não é ‘alternativo’, nem ‘religião da moda’. O que me espanta é ver como a mídia ainda se sustenta na superficialidade e continua representando aspectos da cultura negra de maneira esvaziada, estereotipada, deturpada. Essas religiões têm tradição, fundamentos e regras na sua existência.

Por Janaína Grasso, do NegroBelchior

Quando você recebe um convite para ser entrevistada numa revista, não há garantias de como o conteúdo vai ser veiculado. Mas, associar a sua entrevista à uma reportagem que traz o Candomblé e a Umbanda como religiões da moda, e como se isso fizesse de você “alternativo”, é lastimável.

Precisamos nos retratar de outra forma, com criticidade e mais respeito. Querem falar sobre os jovens no Candomblé e da Umbanda? Identifique que essas são religiões de matriz africana, elas têm origem, elas têm tradição, memória, história, estrutura. Resistem de geração em geração. São heranças culturais.

Difundir informações esvaziadas e estereotipadas é um desserviço. Que nível de instrução e informação querem propagar, e para quem? Essa é uma representação que não aceitaremos mais calados. Chega!

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No teatro querem trazer blackface; na televisão, personagem ‘Africano’ e na revista, fazer das nossas religiões um espaço para ‘descolados’.

As menções às religiões de matriz africana devem ser feitas com seriedade e respeito, independente das motivações de cada um. Penso também que adentrar numa vida de religião de matriz africana, conhecer toda a riqueza e complexidade que existem nelas implica em assumir uma conduta a favor do direito a equidade, já que essas religiões tem como eixo fundamental a coletividade e pluralidade.

As religiões de matriz africana, o candomblé e a umbanda, se mantêm vivas graças a muita resistência. Elas enfrentam um racismo e discriminação secular. Quantas casas de candomblé são destruídas pela intolerância religiosa e a violência? Quanto racismo se enfrenta dia a dia por fazer parte de uma religião de matriz africana, uma matriz acolhe seus adeptos sem distinção de raça, orientação sexual, classe social ou qualquer outro critério de exclusão.

Estar numa religião de matriz africana significa estar junto às causas e lutas que assumimos, por um compromisso histórico.

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Fazer parte de uma cultura que é historicamente violentada implica em ter criticidade e refletir sobre como é a nossa participação nela. Fazer parte é caminhar junto com processos de equidade, também. É graças às ações afirmativas por exemplo, que cada vez mais negros têm acesso à universidade. É também nesse espaço que acontece a nossa produção intelectual e ativa sobre a representação e protagonismo das nossas próprias histórias.

Ancestralidade é outro ponto fundamental que não pode ser negligenciado. Nas religiões de culto aos orixás, os mais velhos têm função fundamental na vida da casa. É com os mais velhos que se aprende a respeitar hierarquia numa casa de candomblé, que se aprende a ter paciência e o aprendizado vem com o tempo.

Sou nativa da Ilha de Itaparica, na Bahia. Um dos lugares onde tradicionalmente acontecem os cultos à ancestralidade e Egungun no Brasil. Minha família, especialmente meu bisavô Cassimiro, se dedicou ao culto de Egungun e ancestralidade até a morte. Ele era sacerdote no culto a Egungun. O meu avô foi Ogan durante muitos anos.

O candomblé faz parte da minha história desde criança. Eu sou filha de orixá, essa religião me fez nascer para minha espiritualidade. Nos inúmeros rituais do candomblé há preceitos, obrigações, hora pra iniciar os rituais, rezas, banhos, saudações. Os preceitos especialmente não são fáceis pra quem é jovem. Não foi pra mim. Eu, por exemplo, tive minha iniciação como filha de orixá aos 18 anos. Durante um ano, tive que viver em resguardo (momento dedicado para que os orixás exerçam proteção e influência direta sobre o iniciado).

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Nesse resguardo tive que, durante 6 meses, me privar do sexo, do álcool, de alguns alimentos específicos, oferendar meu orixá toda segunda-feira, não pude frequentar festas, baladas, não podia ficar na rua depois da meia noite etc. São inúmeras regras fundamentais, referente a um exemplo dos tantos rituais existentes no Candomblé. Poderia citar vários aqui. Não é brincadeira ser filho de Orixá.

Não vejo como posso ser ‘descolada’ por ter a minha fé, por ter uma religião familiar, passada de geração pra geração, como herança. Graças aos orixás, conheci um mundo novo.

Respeitem nossas histórias!

Fotos: Reprodução/NegroBelchior

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