Manifesto da Frente de Mulheres Negras de Campinas

A Frente de Mulheres Negras de Campinas começou a ser construída no dia 25 de julho de 2015, quando reunidas na Casa de Cultura Tainã, nós, mulheres negras de diferentes coletivos, organizações, entidades e movimentos sociais pactuamos construir ações permanentes de combate e erradicação do racismo, machismo, sexismo e pobreza.

Por Frente de Mulheres Negras de Campinas  via Guest Post para o Portal Geledés

Entre as ações, deliberamos a participação na Marcha Nacional de Mulheres Negras – 18 de novembro de 2015 – e pensamos o quanto seria interessante sintetizarmos uma posição das mulheres de Campinas, no sentido de contribuir para o debate do que é o “Bem-Viver”, que está diretamente ligado às nossas questões interseccionadas entre raça, gênero e classe.
A partir daí, nossa proposição foi a de estabelecer um debate amplo e autogestado com mais mulheres negras que hoje integram a FRENTE: coletivos e movimentos sociais dos municípios de São Paulo, Pedreira e Hortolândia, que participaram da Plenária de Mulheres Negras ocorrida no dia 1º de Novembro, na Casa de Cultura Fazenda Roseira.

Nessa Plenária também deliberamos que nossa marcha, que é permanente e constante, possui caráter denunciatório e reivindicatório.

Abaixo apresentamos nossas demandas coletivas, que apontam POR QUE MARCHAMOS:

– Pela Marcha e Mobilização Permanente de Mulheres Negras! Em marcha sempre!
– Para que o enfrentamento ao racismo e a todas as formas correlatas de opressão seja também de responsabilidade de homens e mulheres não negras e organizações democráticas, progressistas e humanitárias;
– Pela visibilidade de nossas lutas, em defesa de nossos direitos, nossa cultura, tradição e ancestralidade;
– Pelo reconhecimento de nossas guerreiras negras, como Aqualtune e Dandara, que contribuíram para a formação do povo brasileiro;

– Pelo fim do racismo em todos os seus modos de incidência;
– Pela afirmação de nossa identidade;
– Pelo empoderamento político das mulheres negras;
– Pela ocupação dos espaços de poder;
– Pelo fim do machismo, do sexismo, da lesbofobia, bifobia e transfobia em todos os seus modos de incidência;
– Pelo fim do preconceito e da discriminação de qualquer natureza;
– Pelo respeito e preservação das religiões de matrizes africanas;

– Contra a intolerância religiosa, e pelo reconhecimento e preservação dos saberes materiais e imateriais da população negra (cultura, tecnologia, arquitetura, culinária etc.);
– Contra a retirada de direitos e conquistas históricas dos trabalhadores e trabalhadoras;
– Contra a retirada de direitos e a precarização do trabalho, que nos afeta mais duramente, como o expresso em projetos como o da ampliação ilimitada da terceirização;

– Por mais emprego, melhores salários e igualdade salarial para as mulheres negras;
– Pela garantia de direitos para trabalhadoras e trabalhadores que hoje estão na economia informal, com inclusão no regime de previdência e proteção social;
– Por direitos previdenciários e contra os cortes expressos nas MPs 664 e 665/2015;
– Pela valorização do trabalho e do emprego doméstico (respeito e regulamentação de toda as conquistas previstas na Lei complementar 150/2015);

– Pelo acolhimento e garantia de direitos, incluindo a inserção nas universidades e no mercado de trabalho, para as mulheres imigrantes e refugiadas;
– Pela garantia de políticas de ação afirmativa e reparação nos concursos públicos;
– Pelo fim da pobreza e pela ampliação dos direitos;
– Contra a exploração sexual de mulheres, crianças e adolescentes;
– Contra todas as formas de violência contra as mulheres e em defesa do PL 643/2015, pela reestruturação e abertura das Delegacias de Defesa da Mulher 24 horas;

– Em defesa do reconhecimento e titulação dos territórios quilombolas (com fortalecimento e mais investimentos no desenvolvimento das políticas públicas destinadas a essa população), e respeito ao direito às terras indígenas;
– Em defesa do uso das áreas que não cumprem a função social constitucional para a reforma agrária, com titulação preferencial para as mulheres desses movimentos e comunidades;
– Na defesa da moradia digna, do direito à cidade e à urbanidade – por políticas públicas de efetivação do direito à moradia para mulheres negras, com aumento dos investimentos e unidades de programas habitacionais em nível federal, estadual e municipal, aceleração dos processos de desapropriação de imóveis fechados para especulação imobiliária e destinação destes imóveis para moradias populares;

– Pelo direito à educação pública de qualidade, acesso e permanência na universidade. Garantia da implementação da Lei das Cotas Raciais de acesso às universidades na USP, Unesp e Unicamp (contra o PIMESP) e de acesso pelas cotas para estudantes negros oriundos de escolas públicas ou particulares. Pela efetivação de políticas de acesso e permanência com recorte racial nas universidades privadas, com regulamentação do ensino e criação do Plano Nacional de Universidades Privadas;
– Pela efetiva implementação da Lei 10.639/03 (obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira na Educação Básica), pela garantia do direito de monitoramento da implementação da referida Lei pelas organizações da sociedade civil e para que avancemos na obrigatoriedade do respeito à lei no ensino superior;

– Pela garantia de inclusão da educação com perspectiva de gênero e raça nas escolas e Planos de Educação em todos os níveis, como política de combate à discriminação e à violência machista, racista e LGBTfóbica;
– Em defesa do Sistema Único de Saúde, pela efetivação do Plano Nacional de Saúde Integral da População Negra e contra o racismo institucional;

– Em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos (aborto legalizado e seguro): pelo fim da violência obstétrica e das mortes das mulheres negras por aborto, e pela redução da mortalidade materna;
– Contra a redução da maioridade penal e o aumento do tempo de internação dos jovens;
– Contra o genocídio da juventude negra e periférica;
Pela desmilitarização das polícias e pelo fim da justiça militar, contra as revistas vexatórias e pelo respeito à lei que proíbe tais revistas;

– Contra a seletividade do sistema penal e do Judiciário, que criminalizam e encarceram a população negra, e em especial a mulher negra (cujos índices de cárcere aumentaram em 246% na última década);
– Pela garantia de políticas públicas em nível federal, estadual e municipal para a população idosa, em particular as mulheres negras (na cultura, saúde, educação, lazer, moradia, enfrentamento à violência e acesso e mobilidade);
– Pela democratização dos meios de comunicação e por políticas que garantam o pleno exercício do direito à comunicação e à liberdade de expressão às mulheres negras: com ações de combate ao racismo e à intolerância religiosa nos meios;

– Pelo fortalecimento da mídia popular e comunitária;
– Pelo fim das verbas publicitárias para veículos que induzem ao racismo;
– Pela garantia da participação e da representatividade da mulher negra na mídia;
– Contra o Racismo Institucional, nas suas diversas formas;
– Pela construção de alianças entre homens e mulheres no combate à violência e todas as vilipendiações cotidianas;
– Para que todas as mulheres negras possam viver e amar!

Marchamos carregando toda nossa indignação, carregando nossas diversas identidades… negras, mulheres, periféricas, mães, mães de jovens, esposas, solteiras, arrimos de família…

Marchamos pelas meninas negras, pelas jovens negras, pelas mulheres negras e nossas idosas negras. Marchamos coletivamente, por nós e todas aquelas que não estarão em Brasília, cuja marcha diária é a própria sobrevivência.

“ATRAVÉS DESTA CARNE, QUE É NÓS, NÓS SOMOS VOCÊ, VOCÊ É NÓS!”

FRENTE DE MULHERES NEGRAS DE CAMPINAS
1ª MARCHA DE MULHERES NEGRAS
Brasília, 18 de novembro de 2015.

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