Carta da II Marcha (Inter) Nacional Contra o Genocídio do Povo Negro: A luta transnacional contra o racismo, a diáspora negra contra o genocídio.

por Zé da Silva

Neste dia 22 de agosto de 2014 o Brasil é a capital da África no mundo” 

Abuy Nfubea – Articulador Internacional da II Marcha Internacional contra o genocídio do Povo Negro.

Neste 22 de agosto, data da II Marcha Internacional Contra o Genocídio do Povo Negro, nós, que somos mais de 101 milhões de negras e negros espalhadas pelo território brasileiro, irmanadas, apoiadas e articuladas com nossas irmãs negras e negros em mais de 15 países no mundo, reafirmamos com a nossa presença nas ruas o nosso compromisso na luta contra o sistema baseado na morte física, social, simbólica, psicológica, cultural, espiritual, que tem nos assolado em diáspora negra. O racismo é o que estrutura o genocídio do povo negro. E reconhecemos, portanto, a nossa responsabilidade com a continuidade
da luta iniciada por nossos ancestrais que não cederam diante da dor, do sofrimento e da morte dos nossos e das nossas.
Em 2008 os dados apontaram que jovens negros tinham 138% mais chance de ser abatidos de maneira violenta quando comparados com jovens brancos na mesma faixa etária. Pesquisas apontam que 99% das vítimas de grupos de extermínio na Bahia são negras e a ONU confirma o aumento de 500% de mortes executadas por esses grupos de extermínios no Estado baiano nos últimos 20 anos. De acordo com o Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas, o IPEA, órgão do governo, a população negra apresenta os piores índices no que diz respeito ao acesso à Saúde, Educação, Trabalho e Renda.
Vivemos em uma conjuntura de brutalidade, violência, superencarceramento e morte da população negra, de confinamento de comunidades inteiras em campos de concentração batizados de UPP ou Bases de Segurança, de remoções forçadas de famílias inteiras para o benefício do capitalismo, de nossa execração quando mulheres são arrastadas por carros, jovens são amarrados em postes e linchados, de suspeitos baleados agonizando em frente a policiais, do silêncio de parte do movimento social negro, atrelados a Governo Federal e governos locais, com seus garotos de recados constrangidos, fazendo seu trabalho em ano eleitoral, ao mesmo tempo que os governos matam e humilham a população negra, elaborando e apresentando programas ineficazes, cujos mediadores e porta-vozes são enviados para a acalmar as vozes das ruas, da submissão às diferentes línguas impostas pelos colonizadores, a separação entre negros claros e negros escuros, a superexploração pelo mundo do trabalho, o ódio racial contra as religiões de matriz africana, a cooptação de negros e negras pela supremacia branca para a manutenção e exploração do próprio povo negro, são reconhecidas por nós até os dias de hoje como as principais formas de nos manter dominados, controlados e separados, práticas estas que levaram à morte de milhões de irmãs e irmãos em travessias, resistências e lutas. Números exatos os quais jamais saberemos, pois os corpos negros não tinham e ainda não têm valor de humanidade. Reconhecemos que esse Terrorismo de Estado atinge as mulheres negras, seja as eliminando como fazem com os homens negros, seja matando em vida as mães, as avós, as namoradas e filhas dos assassinados e dos encarcerados e por isso mesmo afirmamos a nossa estratégia de fortalecimento como negras, frentes de resistência, que lutam para a auto-organização e autodeterminação do nosso povo.
Assim, a Campanha Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto assumiu a tarefa de lutar, resistir e construir um projeto político do nosso ponto de vista, resgatando os nossos princípios de maneira independente com o nosso povo. A Campanha vem construindo esta Marcha sem descanso, sem férias, sem final de semana ao longo de 09 anos. Andamos por prisões e favelas, onde estão nossas irmãs negras e negros no mundo, para fortalecermos nossa luta. Buscamos conselhos, apoio e fortalecimento junto às nossas famílias negras nas prisões, nas comunidades racialmente apartadas e ocupadas pelas polícias, nos terreiros de candomblés, nas casas de batuque, nas rodas de capoeira, nas casas de samba, no pagode, no baile funk, no carnaval, nos quilombos, em todos os lugares onde a supremacia branca se faz presente para a nossa aniquilação e dominação e para promover a nossa morte social, em sua prática ideológica centrada na necropolítica.
Esta II Marcha (Inter)Nacional Contra o Genocídio do Povo Negro tem como tema A Luta Transnacional contra o Racismo, a Diáspora Negra contra o Genocídio. Neste dia de luta conclamamos a força de nossas ancestrais, solidarizamo-nos com as famílias que perderam Ricardo Matos, Enio Matos, Geovane Mascarenhas, Jackson Carvalho, Aurina, Evangivaldo, Negro Blul, Kléber Álvaro, Cláudia Ferreira, Michael Brown, Travon Martin, Joel e seu primo Carlos Alberto Conceição Júnior, Bruno Alves de Campos, Maria de Lourdes(Visa), Gleidson e Luciano, Joquielson Batista, Ayana Stanley-Jones, Reika Boyd, Malaika Brooks, Jaisha Akins, Frankie Perkins, Eleanor Bumpers , Sean Bell, Oscar Grant, Trayvon Martin, Jordan Davis, ReNeisha McBride, Ramarley Brown, Eric Garner, Michael Brown, de Edson e de tantas outras pessoas negras, as quais tiveram seus corpos negros violentados, mas que hoje tem suas memórias e suas presenças garantidas e eternizados por familiares resistentes à brutalidade e com as quais nos unimos para que marchemos juntos contra o Genocídio do Povo Negro, e por nosso direito à Vida.
Essa Marcha é uma luta para reafirmar os nossos princípios panafricanistas de auto-organização e autodeterminação.

A nossa luta é transnacional e não se encerra no dia 22. Estamos apontando e construindo um projeto político para negras e negros de todo o mundo.

Contra o Genocídio do Povo Negro, Nenhum passo atrás,
Reaja ou será Morta, Reaja ou será Morto

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