Carta do Audiovisual Negro às Candidaturas Antirracistas é lançada em Brasília

Documento elaborado pela Apan está online e permite adesões de pessoas candidatas em todo o Brasil

FONTEBrasil de Fato, por Cláudia Maciel
Carta cobra criação e manutenção de políticas públicas para Cultura e Educação - Foto: Webert da Cruz

A Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (Apan) lançou no dia 23 de agosto, em Brasília, a Carta do Audiovisual Negro às Candidaturas Antirracistas, direcionada para pessoas candidatas ao Legislativo e Executivo nas Eleições 2022 em todo o país. Construído de forma colaborativa, o documento está disponível para leitura e adesão no site da Apan.

De acordo com o presidente da Apan, Rodrigo Antônio, a organização trabalhou nesse documento para ser uma ferramenta para candidaturas que “reconheçam como é importante criar e manter políticas públicas para Cultura e Educação, setores fundamentais no combate ao racismo e à discriminação racial”.

A carta possui reivindicações específicas para pessoas negras pensando em um combate efetivo ao racismo no setor audiovisual. “O texto traz a perspectiva do que a gente entende como nação, imaginário coletivo, formas de produção, sobrevivência, dignidade e humanidade. Mas, óbvio que do ponto de vista prático, a gente também indica algumas incidências específicas em políticas públicas que podem melhorar a condição de existência das pessoas negras na cadeia produtiva e no mercado do setor”, aponta a Conselheira da Apan na região sudeste e co-diretora artística do Festival Internacional  do Audiovisual Negro do Brasil, Tatiana Carvalho Costa.

O documento aborda temas ações como regulamentação; diminuição das iniquidades em setores da gestão pública; trabalho e empreendedorismo; regionalização e ações territoriais contra-hegemônicas; acesso aos bens culturais e à difusão das obras e Cultura e Educação.

“Consideramos a necessidade de garantir não só a presença, mas também a viabilidade econômica e a permanência negra no audiovisual por meio do fortalecimento de ações que garantam a justiça social, combatendo o racismo e as desigualdades estruturais no país e que, infelizmente, seguem constitutivas do setor, aponta trecho do documento.

Ações afirmativas

Em 2016, a  Agência Nacional de Cinema (Ancine) divulgou pesquisa que relatou que as histórias pelos meios audiovisuais de produção são contadas, em sua maioria, por pessoas brancas e masculina. No mesmo ano, a professora e pesquisadora americana Stacy L. Smith, comandou um estudo, que analisou mais de 21 mil personagens de 400 filmes e séries no período entre 2014 e 2015. Os resultados revelaram que somente 28,3% dos papéis eram de pessoas não brancas.

Tatiana diz que é importante ressaltar que a complexidade para negros no setor audiovisual não se refere só à representatividade, mas também a produção.

“Nossa sociedade tem um imaginário racista. O racismo não é só sobre comportamento. Ele está em várias instâncias institucionais estruturais.  O racismo funda o imaginário coletivo brasileiro. O que os cinemas negros fazem é tentar romper com o racismo do imaginário coletivo brasileiro. E o audiovisual é um lugar muito complexo porque está lidando com questões consolidadas deste imaginário que acaba por ser um cativeiro estético”, aponta.

Paralelo a questão representativa, a Conselheira da Apan, aponta que raça é marcador hierárquico para acessar patrocínios para a produção audiovisual e isso é reflexo do funcionamento da sociedade brasileira .

“O cinema e o audiovisual movimentam significativamente a economia. Para fazer um longa metragem é muito caro. Uma produção de baixo orçamento custa de  900 mil a um milhão e meio de reais. Porém, um longa dirigido por uma mulher branca pode custar 6 milhões de reais e conquistar o patrocínio. Então, em uma sociedade que é estruturalmente racista, falando do ponto de vista econômico, a raça é um marcador hierárquico para definir quem vai acessar a verba  e obviamente tem toda uma estrutura montada para excluir pessoas negras. É um reflexo  de como funciona a sociedade brasileira”.

Documento foi construído de forma colaborativa e lançado em Brasília no dia 23 de agosto / Foto: Webert da Cruz

Festival

Além da apresentação da Carta, a Apan também anunciou a realização do Festival  Internacional do Audiovisual Negro do Brasil, que deve acontecer de 16 a 20 de novembro, com exibição de filmes, seminário, debate, um Lab, sob o tema “Memória e Futuridades”.

Audiovisual Negro 

A Apan foi fundada em 2016 e reúne mais de 900 pessoas associadas em todo o território brasileiro.

De acordo com o presidente Rodrigo Antônio, a Associação tem ação política centrada na institucionalização do movimento de cineastas e de pessoas que descendem do movimento negro em seus territórios para que possam incidir e tensionar as estruturas de poder em um contexto específico de construção de políticas públicas para o audiovisual brasileiro.

A Apan tem também a missão de consolidar as existências de cineastas e profissionais pretos no mundo do trabalho, nos imaginários da população brasileira, no refazimento das narrativas e das representações do povo preto no audiovisual nacional. Trabalha com os pilares de formação, difusão e fomento. 

“No processo de construção da associação, criamos três plataformas. Uma de streaming destinada a difusão de conteúdo negro, indígena e latino americano, outra destinada a formação em área específicas em departamentos onde há ausência de profissionais pretos ou no próprio fortalecimento formativo em áreas estratégicas distintas, e a Raio Agency, que é a nossa plataforma de inclusão e diversidade focada em processo de construção de metodologia de trabalho assentadas no debate da equidade racial onde propomos metodologias, supervisão, curadoria de talentos, processos de supervisão formativa para empresa dos setor audiovisual e empresas interessadas na construção de quadros profissionais mais diversos entendendo a diversidade não como um produto, mas como um processo contínuo de construção”, diz. 

Rodrigo conclui dizendo que a Associação é a entidade preta que afirma o cinema negro nos espaços de construção e negociação política. 

“Quando a gente olha os processos das primeiras políticas de descentralização da produção audiovisual brasileira não vemos recorte de gênero e raça na construção. Dessa forma, com a Apan buscamos ocupar um espaço de tomada de proposição e decisão politica e de diálogo, para construção e afirmação do audiovisual negro num debate político nacional. Hoje, a Apan faz parte do diálogo e construção permanente com outras entidades do audiovisual e é a entidade preta que faz um trabalho de  afirmação do cinema negro nos espaços de construção e negociação política”, explica Rodrigo.

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