Casa de prostituição

 

Caminhamos no sentido da abolição da perseguição à mulher e do fim do estigma de uma profissão que se reconhece a mais antiga

Fonte: Folha de São Paulo –

por: LUIZA NAGIB ELUF

 

A LEI que acaba de modificar os artigos referentes aos crimes sexuais do Código Penal (lei 12.015, de 7/8/09) não apenas inovou com relação ao estupro e ao atentado violento ao pudor como também alterou vários outros dispositivos, dentre os quais o que aborda a atividade do comércio sexual referente à casa de prostituição.


Anteriormente, nos termos do artigo 229 do Código Penal, que data de 1940, era crime “manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fins libidinosos, haja ou não intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente”.


Nesses termos, qualquer lugar em que ocorressem encontros com fins sexuais estava proibido. A pena era de dois a cinco anos de reclusão, mais multa.
Isso gerou certa discussão, algum tempo atrás, quando surgiram os “motéis”, que se destinam a encontros amorosos. Vários deles se espalharam pelas cidades, avançando das estradas e periferias, onde se “escondiam”, para dentro dos centros urbanos, entrando definitivamente na vida cotidiana.


Se levada ao pé da letra a anterior redação do artigo 229 acima citada, os motéis ou qualquer outro estabelecimento de alta rotatividade estariam proibidos. Tanto assim que os conservadores tentaram fechar esses estabelecimentos, clamando por rigorosa fiscalização.


No entanto, com o tempo, os motéis se impuseram porque sua finalidade é híbrida: tanto servem para encontros quanto para pernoites. Aproveitando a dubiedade, eles escaparam dos rigores da lei anterior.


As verdadeiras casas de prostituição, porém, continuaram na mira da polícia, pois estava fora de dúvida que exerciam atividade criminosa, nos termos do Código Penal.


Nossa lei nunca puniu a prostituta ou o seu cliente, mas criou regras que dificultam a atividade. Partindo do princípio de que a sociedade não pode prescindir do comércio sexual, haja vista a falência de todas as medidas adotadas para coibir tal prática em todos os tempos, impedir essas(es) profissionais de ter um lugar para trabalhar gera uma situação perversa e injusta, cria constrangimentos na rua e as(os) expõe a variados tipos de risco.
Diante disso, a casa é uma solução, não um problema.


Assim, a lei nº 12.015/09 corrigiu uma distorção decorrente de tabus e preconceitos do começo do século passado e passou a considerar crime apenas “estabelecimento em que ocorra exploração sexual”, o que foi um grande acerto.


Crime é manter pessoa em condição de explorada, sacrificada, obrigada a fazer o que não quer. Explorar é colocar em situação análoga à de escravidão, impor a prática de sexo contra vontade ou, no mínimo, induzir a isso, sob as piores condições, sem remuneração nem liberdade de escolha.
A prostituição forçada é exploração sexual, um delito escabroso, merecedor de punição severa, ainda mais se praticado contra crianças. O resto não merece a atenção do direito penal.


A profissional do sexo, por opção própria, maior de 18 anos, deve ser deixada em paz, regulamentando-se a atividade.


A meu ver, com a recente alteração trazida pela nova lei, os processos que se encontram em tramitação pelo crime de “casa de prostituição”, se não envolverem exploração sexual, deverão resultar em absolvição, pois a conduta de manter casa para fins libidinosos, por si só, não mais configura crime. Os inquéritos nas mesmas condições comportarão arquivamento e muita gente que estava sendo processada se verá dispensada da investigação.


Pelo menos, ficaremos livres do desgosto de presenciar a perseguição aos pequenos estabelecimentos, onde o aluguel de um quarto pode custar R$ 5, enquanto as grandes casas se mantêm ativas, apesar da proibição, por conta da eventual corrupção de agentes públicos.


Dessa forma, vamos caminhando no sentido da abolição da perseguição à mulher e do fim do estigma de uma profissão que se reconhece a mais antiga do mundo.
LUIZA NAGIB ELUF é procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo e autora de “A Paixão no Banco dos Réus”, entre outros livros. Foi secretária nacional dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça (governo Fernando Henrique Cardoso).

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