Caso George Floyd: ‘Os EUA são um experimento social falido’, critica filósofo

Enviado por / FonteBBC

Ele foi professor em Yale, Princeton e na Universidade de Paris. Atualmente leciona em Harvard. Escreveu mais de 20 livros sobre questões de raça, herança africana e democracia.

West fala de forma provocadora e, nesta entrevista à BBC, compartilha sua visão do que chama de “experimento social falido” nos Estados Unidos, o “legado da supremacia branca” e sua posição enfática em relação ao presidente Donald Trump e à linguagem que o presidente usou para se referir aos manifestantes que saíram às ruas após a morte de George Floyd.

Floyd, um homem negro de 46 anos, morreu em 25 de maio em Minneapolis depois que um policial branco pressionou o joelho sobre o pescoço dele por mais de 8 minutos.

O evento provocou protestos em dezenas de cidades dos EUA e reviveu o debate sobre o racismo no país.

A seguir, veja um resumo de uma entrevista que West deu à BBC em 29 de maio.

O movimento Black Lives Matter surgiu no governo Obama
(Getty)

BBC – O policial Derek Chauvin enfrenta acusações de assassinato em terceiro grau (sem intenção de matar, pela lei do Estado do Minnesota. Essa acusação foi aumentada para homicídio em segundo grau após esta entrevista) pela morte de George Floyd. Isso ajudará a acalmar um pouco a violência e responder às preocupações das pessoas?

Cornel West – Na verdade, não. As preocupações das pessoas são muito mais profundas que isso. Não se trata de apresentar queixa, as pessoas querem que haja uma responsabilização em termos de condenação. Elas querem que a responsabilidade seja assumida em nome daqueles que estão matando seus concidadãos.

Mas este é um assunto mais profundo. Temos seres humanos maravilhosos nos Estados Unidos, mas os Estados Unidos são um experimento social falido. Quando se trata de pessoas negras e pobres, sua economia capitalista falha; o Estado militarizado falha; sua cultura mercantil, em que tudo e todos estão à venda, falha.

Esse fracasso acontece há 400 anos e, embora (o sistema) tenha funcionado para alguns, quando se trata de pessoas pobres, principalmente negras, é um fracasso.

Isso é crônico, estamos falando de algo que tem raízes profundas. Samuel Beckett estava certo quando disse: “Tente novamente, falhe novamente, falhe melhor”.

A história dos Estados Unidos de lidar com o legado da supremacia branca está falhando, mas tentando falhar um pouco melhor, exigindo um pouco mais de responsabilidade, condenando um pouco melhor, mas no final a supremacia branca corre profundamente no país, o capitalismo predatório se arrasta profundamente.

É muito difícil para os americanos decentes que realmente odeiam a supremacia branca, que são antirracistas, obter algum tipo de poder, ter algum tipo de organização que permita a transformação fundamental de que o império americano precisa.

A morte de George Floyd provocou protestos em várias cidades americanas
(Getty)

BBC – Gostaria de ler um trecho de uma declaração do ex-presidente Obama. Foi um e-mail que ele recebeu de um empresário negro que diz: “O joelho no pescoço é uma metáfora de como o sistema arrogantemente mantém os negros contidos, ignorando seus pedidos de ajuda”. É irônico que nos EUA ajoelhar-se seja um símbolo e agora temos outro incidente simbólico com um joelho no qual um homem negro é morto.

West – É verdade, fico feliz em ouvir meu querido irmão Barack Obama falando.

Como você sabe, ele era um presidente negro, com uma procuradora-geral negra, um diretor negro de segurança nacional, e esse foi o contexto para o nascimento do movimento Black Lives Matter, porque quando você tem rostos negros em altos cargos, eles não podem falar sobre legado prejudicial da supremacia branca, ou suas conexões com Wall Street e o militarismo. Portanto, não se trata apenas de ter profissionais negros dizendo palavras.

O que vimos nas ruas de Minneapolis é, sob muitos aspectos, uma denúncia contra políticos negros, contra profissionais negros, a burguesia negra que se acomodou ao capitalismo predatório, às estruturas da supremacia branca.

(O que importa) não são as palavras bonitas, mas as reformas estruturais, especialmente com o criminoso neofacista que está na Casa Branca.

Quando Trump chamou meus irmãos e irmãs de “criminosos” nas ruas, eu disse: “não, ele é neofacista, é ele que usa linguagem violenta, expressões de ódio e desprezo por mexicanos, muçulmanos, negros, gays, lésbicas.” Eu quero manter o contexto da linguagem em mente.

Quando você vai de Barack Obama, um presidente neoliberal negro que gerou um movimento como o Black Lives Matter, com o qual questões de classe e pobreza se tornaram cruciais, para um neofascista na Casa Branca… Você tem o irmão Obama e o irmão Trump aparentemente muito diferentes, mas ainda assim mostrando continuidade no que diz respeito à situação das pessoas pobres e trabalhadoras, especialmente as negras.

A morte de George Floyd deu força ao debate sobre racismo nos EUA
(Getty)

BBC – Tenho certeza de que o presidente e seus apoiadores negarão que ele seja um “criminoso neofascista”, mas entendo que você está preocupado com a linguagem que ele usa. O que significou para você a frase que ele usou, “Quando o saque começa, o tiroteio começa”?

West – Nós tínhamos ouvido isso antes, de um policial em 1967 em Miami. Foi um chefe de polícia que disse a um negro: “No momento em que você começar a saquear, começaremos a atirar”.

Então é isso que acontece quando você tem um neofascista como Donald Trump. E estou apenas sendo objetivo, um valentão é alguém que acredita que pode fazer qualquer coisa com impunidade, sem assumir responsabilidade, que é como Donald Trump age em relação às leis, ao uso da linguagem e assim por diante.

Ele pega essa linguagem de um chefe de polícia supremacista profundamente autoritário, xenófobo e branco para fazer parecer que ele vai responder com força total.

Isso é covarde, sabemos, eles falam essa língua, mas quando se trata de assumir o comando, individualmente, eles se recusam a fazê-lo, cabe a eles colocar seus tanques e policiais.

Não temos medo, não somos intimidados por essa linguagem, pelo menos não eu.

BBC – Dr. West, devo chamar sua atenção novamente para o fato de você estar chamando ele de neofascista, mas entendo sua frustração.

West – Não estou dizendo que você precisa aceitar isso, apenas estou dizendo que falo do meu coração, em termos de uma condição objetiva.

Tenho tendências de intimidação dentro de mim, tenho uma orientação de gangue dentro de mim e tenho que combatê-las todos os dias, é uma condição humana, mas algumas pessoas, como Donald Trump, são menos bem-sucedidas nessa luta e fazem parte de um movimento de direita autoritário muito maior nos EUA.

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